A Etiópia dos copiadores
Fotógrafos dos Royal Engineers, Torre de Addigerat, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
O aparecimento da Fotografia dá-se num quadro de acelerado e competitivo desenvolvimento tecnológico. Não é estranha a sua quase simultânea descoberta por diversos processos e em locais distintos, nem a sua rápida expansão e o seu constante melhoramento técnico.
O século dezanove é um período de enorme fé na ciência e no poder da máquina, e é aí que a fotografia se insere, entre o poder do aço que se instala, as máquinas que tomam posse da produção, os químicos que constroem um mundo novo, a electricidade que avança para os lares.
O século dezanove é igualmente um século de nacionalismos, de imperialismo, e de ideologias que nascem e tentam afirmar-se. É um período de grandes e muitas guerras, e nestas o progresso técnico é aproveitado. Seja com o recurso ao aço que substitui o bronze nos canhões, seja com a produção de armamento estandarizado que melhora significativamente a logística, seja a introdução do motor a vapor e da couraça nos meios navais. Ensaia-se a matança industrial que caracterizará os conflitos globais do século seguinte.
E também aí a Fotografia não fica à margem. Desde logo, pela tentação de registar os conflitos. Em 1855, passados poucos anos da publicitação do daguerreótipo (a primeira técnica fotográfica, com originais únicos e realizados numa chapa metálica), e andando ainda a técnica longe de tornar a tomada de imagens algo prático, vêem-se os esforços de Fenton, Robertson e Beato na cobertura da distante Guerra da Crimeia, em que uma estranha coligação de britânicos, franceses,italianos e otomanos se opôs ao expansionismo russo, em terras da actual Ucrânia. Na década seguinte, a guerra civil americana foi amplamente registada por fotógrafos como Mathew Brady, Thomas Roche e Alexander Gardner.
James Robertson e Felix Beato, reduto abandonado, Sevastopol, Crimeia, 1855
Roger Fenton, Valley of the shadow of death, Crimeia, 1855
Arquivos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América
Alexander Gardner, Franco-atirador confederado morto no sopé de Round Top, E.U.A., Julho de 1863
Arquivos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América
Mas, à parte desta vertente documental, a Fotografia foi rapidamente acolhida também como um instrumento militar. Na Campanha da Abíssinia de 1868/69, um conflito hoje quase esquecido, uma força expedicionária britânica faz-se deslocar pela Etiópia com o primeiro contingente fotográfico militar, constituído inicialmente por sete homens encabeçados pelo Sargento John Harrold, pertencente ao batalhão dos Royal Engineers. Curiosamente, a sua principal função não consistia na recolha de imagens para a guerra de propaganda ou para efeitos de reconhecimento, como seria de esperar em função do que aconteceu em guerras posteriores. O seu propósito central era copiar fotograficamente os mapas, os esboços e as instruções militares que foram sendo elaborados ao longo da expedição, de forma a fazer circular a informação pelos muitos milhares de homens que compunham as forças britânicas. No essencial, os fotógrafos dos Royal Engineers eram fotocopiadores. Para isso se fez transportar equipamento, químicos e papel em grandes quantidades, por um território remoto e pouco conhecido.
Mas, no meio das imensas cópias de documentos informativos, os militares foram procedendo a um dos primeiros registos fotográficos do Corno de África e do terrível desafio logístico que é pôr um exército moderno em movimento. A Grã-Bretanha, respondendo a uma provocação do desajeitado e brutal imperador etíope Tewodros II, arregimentara uma força de 30 000 homens de diferentes proveniências, uma verdadeira demonstração do poder do seu império. Desembarcara esse número de tropas na Eritreia e fizera-as deslocar centenas e centenas de quilómetros pela montanhosa Etiópia, um país que, apesar de milenar, não possuía um mínimo de vias de comunicação. Esse esforço, muito criticado pela desproporção e despesa, acabaria com a derrota do impopular líder etíope, e com o seu suicídio ante a inevitabilidade de ser capturado pelos britânicos.
Recorrendo a uma única câmara Dallmeyer, que havia sido levada com o propósito de realizar alguns retratos, e utilizando a difícil técnica do colódio húmido (em que, entre o fabrico da emulsão, a exposição da fotografia e a sua revelação, não podiam passar mais que vinte, trinta minutos), estes fotógrafos burocratas, extravasaram os limites estritos da sua missão e deixaram-nos algumas dezenas de espantosas imagens de uma Etiópia áspera, árida e exótica. As primeiras.
Fotógrafos dos Royal Engineers, baia de Annesley, Eritreia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, A escadaria do diabo, Sooroo, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, A escadaria do diabo (pormenor), Sooroo, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Alagi Amba, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Escarpa junto ao rio Bashelo, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, fortaleza perto de Adabaga, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Acampamento em Focada, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, regimento indiano, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, regimento indiano (pormenor), Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, A brigada naval em Goon-Goona, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Lago Ashangi , Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, rio Tacazzee, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Rio Tellari, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Rio Tellari(pormenor), Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Vale de Meshek, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, A casa do imperador, Magdala, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.
Fotógrafos dos Royal Engineers, Torre de Addigerat, Etiópia, 1868-69
Arquivos da Northwestern University Library, Evanston, E.U.A.