O pasmo em redor de Olivier Culmann
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
Quem já tem algumas décadas de vida conheceu um mundo algo diferente do actual. Um mundo com a ilusão dalgumas certezas. Um mundo ancorado em blocos ideológicos que se combatiam, encarniçadamente por vezes, mas que reservavam as suas distâncias a maior parte do tempo. Era um tempo sobretudo de fronteiras, de pactos, de muros. Esse período de estabilidade temerosa acabou, porém. Com a derrocada da União Soviética, centro gravitacional do mundo socialista e comunista, o mundo definido por dois opostos desvaneceu-se, e nisso alguns quiseram ver a vitória definitiva do lado oposto, a criação duma nova ordem mundial.
O professor norte-americano Francis Fukuyama tornou-se, nesse período pós derrocada do Muro de Berlim, uma verdadeira estrela mundial. Recuperando uma velha ideia do filósofo oitocentista alemão Georg Friedrich Hegel, declarou o fim da História. Encarando a História com uma sucessão de eventos e de mudanças orientadas para o Progresso e o Equilíbrio, acreditou que a demanda dum modelo de sociedade equilibrado terminara. Com o fim do bloco de leste, estaria concluído o período dos antagonismos, e a democracia representativa ocidental tornar-se-ia dominante e uma garantia de estabilidade.
Mas a realidade recusou-se a cooperar com Fukuyama, e a História pareceu recusar-se a terminar. Os anos noventa foram tudo menos estáveis, o mundo a dois não passou a ser o mundo a um. Vindos dos fundos do baú dos tempos, onde pareciam estar encerrados, reapareceram todos os tipos de irracionalismos e conflitos. Os nacionalismos, as intolerâncias religiosas e os sectarismos étnicos reapareceram com uma virulência inesperada.
Mas, mesmo perante todas as evidências, muitos continuaram a alimentar o seu optimismo acerca do fim da História. As turbulências locais e regionais a que assistiam não passariam de "dores de crescimento", a seu tempo debeladas e absorvidas pela normalidade democrática.
O fim desse optimismo teórico desmesurado poderá ser facilmente situado. Quando, a 11 de Setembro de 2001, um grupo reduzido de fanáticos religiosos (pertencente a uma remota organização, de que apenas os especialistas tinham algum conhecimento) atacou o coração daquela que se considerava a única superpotência, a expectativa de um futuro próximo sem atritos desvaneceu-se para o grosso da opinião pública ocidental.
Os factos são de todos conhecidos. Milhares de mortos, uma secção icónica da cidade de Nova Iorque reduzida a pó e escombros, e um enorme espanto. Filmada em directo e fotografada em continuo, a tragédia de 11 de Setembro entrou no imaginário colectivo. Durante anos, milhares de fotógrafos profissionais e amadores dirigiram-se a Manhatthan para fazer o seu registo dos destroços e destruição. O francês Olivier Culmann foi um deles, mas optou por uma abordagem diferente. Ao invés de se concentrar nos edifícios destruídos, e no esforço de recuperação, virou-se antes para os imensos populares que rumavam para redor do "ground zero", e olhavam parados e pasmados os sinais, não do fim da História, mas do fim das certezas.
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
© Olivier Culmann, Sem título, da série "Autour", Nova Iorque, E.U.A., 2001-2002
Doze, treze anos após, estas imagens de Olivier Culmann não perderam actualidade. A resposta americana ao ataque está longe de ter levado a democracia ao mundo, e a segurança ao Ocidente, conforme o seu objectivo enunciado. E perante os mais variados e irracionais fenómenos, como a partida de milhares de jovens ocidentais (europeus, australianos e até americanos) para o insano conflito sírio-iraquiano, onde se envolvem numa orgia macabra de degolações e execuções sumárias, vive-se o mesmo pasmo civilizacional. A História insiste em não terminar.