Sally Mann ou da fotografia suspensa
1992, Immediate Family. Seria esse ano e nome de exposição do conjunto fotográfico mais polémico e controverso de Sally Mann, fotógrafa norte-americana indispensável para um conhecimento aprofundado daquilo que é a fotografia contemporânea.
Mann, nascida em 1951, em Virginia, E.U.A., empenhou-se em fotografar temas frequentes do quotidiano (o seu e o nosso, pois claro), partindo deles mesmos para temas mais maduros e, por isso mesmo, mais exigentes. Falamos da morte e, com ela, da vida, da infância e das divergentes compreensões culturais da sexualidade. Seria precisamente este tema, o da sexualidade, o mais caro ao seu trabalho. Immediate Family representa um conjunto de fotografias dos filhos de Sally Mann retratados num ambiente natural, onde é possível notar as crianças nuas, sangrentas e sujas, surgindo, inclusive, os órgãos sexuais delas representados. Não tardou a que se levantassem vozes acusando estas fotos e, com elas, Sally Mann, de pedofilia. Parece-nos, contudo, uma abordagem desfasada daquilo que poderão representar as fotografias mas, mais do que isso, uma interpretação reveladora de exageros em relação à obra de Mann principalmente se lida no seu todo.
Nas diversas séries de Sally Mann, para além de algumas com temas de fundo como a paisagem e a natureza - e ainda essas altamente dramáticas, suspensas -, mais do que ser possível observar, é, na verdade, inevitável reparar no sentido humano com que aborda os seus temas. Se é verdadeiro que estes são (quase) sempre temas brutais, acerbos e violentos, nem tudo se resume a isso. Em What Remais, de 2003, encontramos um estudo em cinco partes da mortalidade, fotografando o local onde um fugitivo armado havia cometido suicídio. Em Proud Flesh, de 2009, Sally vai mais longe e fotografa o seu marido, Larry, que sofre de distrofia muscular, retratando-o no momento mais vulnerável da sua vida: a doença e a morte, que se aproxima. Contudo, eles surgem-nos aqui, tal como aquelas paisagens, suspensos, envoltos (e muito se fica a dever à magistral técnica de Sally, que preferiu o preto e branco à cor; a tecnologia mais antiga aos must have tecnológicos, explorando a platina e processos de impressão bromoil)numa dimensão onírica, numa espécie de movimento interrompido no tempo e no espaço.
Assim, se é verdade que se afirma que Immediate Family se poderia encaixar no tema de pedofilia por ser este também um assunto repleto de brutalidade, parece-nos que Sally se limita (e não é pouco, não nos enganemos!) a fotografar a família, a infância e o amor envoltos naquele mesmo sonho de outrora, onde o corpo humano, a carne, assume um papel de força e choque em contraste com o que o rodeia. E se os outros temas anteriormente mencionados são aqui retratados será mais por quaisquer sentimentos de compaixão pelo humano e amor que possam suscitar do que por qualquer tipo de tendências sádicas para os actos brutais, como seriam actos pedófilos com os seus filhos.
De resto, não terá sido por acaso que Reynolds Price escreveria sobre ela na revista TIME "Poucos fotógrafos de qualquer tempo ou lugar acompanharam a firmeza de Sally Mann, de visão simples, sereno brilhantismo técnico e a eloquência claramente comunicada que ela retira dos seus temas, humanos ou não - temas obervados com um ardor que é tudo menos indistinguível do amor".
Sally Mann é, ainda que com toda a polémica que a rodeia, uma das fotógrafas mais reconhecidas e conta inúmeros prémios, como NEA, NEH, e Guggenheim Foundation grants. A sua obra completa pode ser visitada aqui, no site oficial da artista.