O azul de Carlos Pena Filho
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo, Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial."
São as instruções do poeta pernambucano Carlos Pena Filho "Para fazer um soneto". Ele, que cursou Direito na Faculdade de Direito do Recife, não poupou referências em sua poesia à cor azul, desse modo, acabou por ficar conhecido como O Poeta do Azul.
Segundo a psicologia, "o azul é a cor da lógica e da ponderação, estando também associada à plenitude". O azul é ainda ligado aos sentimentos bons e pacíficos que perduram. O pintor russo Wassily Kandinsky disse que o "azul atrai o homem para o infinito, despertando-lhe um desejo de pureza e do sobrenatural."
Pena Filho dedicou à cor azul um papel destacado na sua poesia. Em seus versos, o azul representa todo o etéreo que o encanta e que o assusta tentar definir. No texto "Soneto das Metamorfoses", o poeta confere ao azul a dubiedade entre a leveza de um banho de mar e o peso da morte:
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.
Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.
E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.
Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife."
Cabe colocar aqui que o uso do multifacetado azul não se restringe à produção de Carlos Pena Filho, pois faz-se presente na poesia de outro Carlos, o Drummond de Andrade:
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos."
Mário Quintana também usou o azul para versejar:
- uma torre azul para os suicidas.
Têm qualquer coisa de anjo esses suicidas voadores,
qualquer coisa de anjo que perdeu as asas."
Mário Quintana, em "Torre Azul"
Na lira do chileno Pablo Neruda, o dueto da paz, branco e azul, é citado para qualificar a amada:
"Para mim és tesouro mais intenso de imensidão
que o mar e seus racimos
e és branca, és azul e extensa como a terra na vindima.
Nesse território, de teus pés à tua fronte,
andando, andando, andando, eu passarei a vida."
O poeta suicida português Mário de Sá-Carneiro também viu no azul um modo de eufemizar o que tanto lhe afligia:
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém..."
Mário de Sá-Carneiro, em "Quase"
O azul sempre poético. O amor de Carlos Pena Filho à cor azul expressou-se em completude no poema "Desmantelo Azul"
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori, as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul."