Haikai: entre Bashō e Leminski
não pensar ao ver um raio:
'A vida é fugaz'."
O três versos acima são de Matsuo Bashō, poeta japonês do período Edo. Bashō é tido como o poeta que fez do haicai (ou haikai) (ou haiku) uma forma fixa poética consagrada, estabelecendo sua atual configuração. Ele chegou a usar o haicai como um modo de livrar-se da vida rotineira, fazia viagens longas para registrar cenas e transformá-las em três versos de pura poesia condensada.
Matsuo Bashō, poeta do período Edo.
A fórmula consagrada por Matsuo é composta por três versos: o primeiro e o terceiro sendo pentassílabos (5 sílabas poéticas, ou 5 ideogramas) e o segundo septassílabos (7 sílabas poéticas, ou 7 ideogramas). A forma talvez se perca na tradução (já diria o grande Ferreira Gullar: "poesia é intraduzível"), mas chegaram até a língua portuguesa belíssimos haicais do grande Bashō:
as cigarras escutam
o canto das rochas"
cuja vida é um contínuo
relâmpago"
as ervas parecem seguir
os rebanhos que recolhem"
A tradição do haikai chega ao Brasil junto com os imigrantes japoneses e, antes de desembarcar no Porto de Santos, o imigrante Shuhei Uetsuka já escreve:
chegando: vê-se lá do alto
a cascata seca."
Guilherme de Almeida, poeta modernista, cadeira 15 da ABL
O haicai amadurece no Brasil na produção de Guilherme de Almeida que acrescenta critérios de sonoridade e ritmo aos haikais, além de passar a dar-lhes títulos, de tão próprios, passaram a ser chamados haicais guilherminos. Poeta modernista, Guilherme tem nos seus haicais, provavelmente, o melhor de sua poética:
"E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas."
"Romance" de Guilherme de Almeida
"Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha."
"Pescaria" de Guilherme de Almeida
"Houve aquele tempo...
(E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!)"
"Hora de ter saudade" de Guilherme de Almeida
"Na cidade, a lua:
a joia branca que boia
na lama da rua."
"Noturno" de Guilherme de Almeida
No Brasil, depois da regulamentação do haicai por Guilherme de Almeida, vem a liberdade marginal da poesia do grande e sempre atual Paulo Leminski. Tradutor, admirador e seguidor de Bashō, Leminski dedicou grande parte de sua obra aos haicais, por crer haver neles força e concisão necessárias a sua poesia, e neles deixou-nos reflexões incompletas, cartas abertas, poemas-piada e mortes rápidas:
tudo que respira
conspira"
o outono
também quer andar"
o outono
nem sabe a quantas"
meio amei-o
meio não amei-o"
foi que eu descobri
antigamente eu era eterno"
pena eu estar
só de passagem"
Acabo este artigo com o último haicai do mestre Matsuo Bashō:
sonho em secos campos
ir-me enveredar"