Abaixo a reciclagem, viva a lapidagem!
Há momentos impossíveis de esquecer. O primeiro dia de aula na tão sonhada faculdade; o minuto em que os chapéus de formatura são atirados para o alto; a assinatura da posse no emprego; a satisfação por trabalhar no que gosta...
São conquistas que precisam estar gravadas eternamente em nossa memória , visto a grande soma de energia que despendemos para alcançá-las. Tal energia, trabalhada durante anos de noites em claro, deve estar impressa em nossa alma, como se fossem facetas de uma pedra preciosa.
Com o passar dos anos, surge a tão sonhada estabilidade. Por mais que saibamos o quão necessário é o aprimoramento, que garantiria a valorização de si mesmo, o elemento tempo (ou a ausência dele) vem nos roubar a capacidade de nos transformar em alguém melhor. Não dispomos de tanto pique como antigamente, vamos deixando de lado o aprendizado de coisas novas, nossa memória parece não querer mais ajudar, e aos poucos transformamos aquilo que já possuímos em um amontoado de coisas velhas, uma espécie de lixão.
A partir desse ponto, as conquistas passam a ser pequenas. Não há mais montanhas a serem escaladas, desertos a serem cruzados em busca de um objetivo incrivelmente desejável. O máximo que passamos a almejar é um aumento de salário, ou uma promoção no emprego. Aquele certificado guardado no nosso "lixão" está ali para garantir esse pequeno passo na carreira. Se tudo correr bem, será assim até a aposentadoria. Perdemos o sal da vida, adormecemos o leão que rugia por novas caças. Nada de grandes conquistas, de momentos inesquecíveis a serem adicionados à memória. Nossas vitórias brilharão apenas como garrafas Pet transformadas em uma bugiganga qualquer.
Foto: http://sustentavelhorrivel.tumblr.com/
Mas a vida não precisa ser um filme ruim, que ninguém deseja assistir, onde o roteiro acima descrito seja uma obrigação. Pelo contrário, é necessário que cada um escreva da sua maneira a história que, quando menino, desejou para si mesmo.
Quando menino, plantou sementes na esperança que as árvores o levassem até lugares altos e bonitos. De lá podia ver as mais variadas montanhas prontas para serem escaladas, por mais que soubesse que teria que enfrentar os barrancos e pedregulhos.
Foto: Max Rive
Quando menino estava disposto a ultrapassar os barrancos, a escalar sobre as pedras, torna-se forte como elas.
É necessário relembrar a força que se tinha e acreditar que ainda se tem. Abrir os olhos e ver as outras montanhas que ainda precisam ser escaladas. As emoções novas, as histórias diferentes a serem vividas, a adição de vida à vida.
É preciso estar disposto a não querer a mesmice, não querer passar o resto dos dias encarando as mesmas situações, vendo o mesmo cenário, repleto de "garrafas pet" que não conseguem oferecer a beleza necessária à nossa satisfação.
O processo é demorado e necessita de esforços, para que nos lapidemos. Etapas a serem superadas, estudos a serem feitos, trabalho duro a ser realizado.
Busquemos nos transformar de pedra bruta em lapidada, para com isso agregar valor. Sejamos multifacetados e polidos, e por mais tempo que isso demore, saibamos que vale a pena.
Outros dias virão e independente do tempo que leve, precisamos nos transformar em joias.
Alertem todos alarmas, que o homem que eu era, voltou!
PS.: Este texto foi livremente inspirado na vida cotidiana, no filme "Febre do rato" de onde foi retirado o título; nas músicas "O que foi feito devera" de Fernando Brant, Milton Nascimento, Márcio Borges e "Redescobrir" de Gonzaguinha.