A Tapeçaria Bayeux
Cenas da Tapeçaria Bayeux, que narra a Batalha de Hastings e a conquista normanda da Inglaterra
Para entender a estória narrada na Tapeçaria Bayeux é preciso recuar um pouco no tempo, quase duzentos anos antes dela ser bordada. No final do século 9, os vikings partiram da Dinamarca para atacar e saquear as Ilhas Britânicas. No continente, avançaram pelos rios para chegar às cidades francas. Entre centenas de ataques, instalaram-se em Paris durante cerca de um ano. Vinte e cinco anos depois, em 911, o rei Carlos (o Simples) decidiu ceder a região da foz do rio Sena aos vikings. O Tratado de Saint-Clair-sur-Epte assegurava as terras ao redor de Rouen a Rollon (líder dos vikings) sob a condição de que ele deveria se converter ao cristianismo e defender o Sena de outros nórdicos.
Cavaleiro com machado em combate com a cavalaria normanda durante a Batalha de Hastings, século 11 - Fonte: Giraudon/Art Resource, New York
Cumprindo o pacto, Rollon abandonou o paganismo e foi então intitulado Conde de Rouen. Seu grupo casou-se com as mulheres locais; seus descendentes ficaram conhecidos como normandos e, sua terra, como Normandia. Cristãos fervorosos, os normandos iniciaram a construção de grandes igrejas e abadias com escolas.
A quinta geração de Rollon teve como representante o duque Roberto I (o Magnífico), que governou seu ducado com rigor. Da relação com uma de suas amantes, Hèrleve, nasceu Guilherme, (o Bastardo que, mais tarde, ficou conhecido como Guilherme, o Conquistador). Após o nascimento do filho bastardo, Roberto I decidiu casar sua amante com Herlvin de Coteville. Da relação do rico aristocrata com Hèrleve nasceram Odo e Roberto. Esses dois meio-irmãos de Guilherme (futuros bispo de Bayeux e conde de Mortain) participariam da conquista da Inglaterra trinta anos depois.
Detalhe de Eduardo (o Confessor) - Tapeçaria Bayeux
Bordada em linho, com lã tingida por diversos pigmentos naturais, a Tapeçaria Bayeux inicia sua narrativa com a viagem e a prisão de Haroldo (filho do conde Godwin de Essex) pelo conde Guy de Ponthieu. Coroado por Eduardo (o Confessor), em 1066, (mesmo ano em que perderia a coroa e morreria na batalha de Hastings), Haroldo, em uma de suas viagens à Inglaterra, teve suas embarcações lançadas por uma tormenta no litoral de Ponthieu (norte da Normandia). Guy teria então aprisionado Haroldo, entregando-o a Guilherme (o Conquistador). Eduardo, que teria prometido a Guilherme a sucessão do trono, aprisionou Haroldo, libertando-o apenas com a promessa de que ele lhe renderia homenagem, jurando defender suas pretensões ao trono quando Eduardo falecesse.
Haroldo Godwinson é preso ao desembarcar na Normandia - Tapeçaria Bayeux
A cena seguinte apresenta a rica cerimônia feudal, em que Haroldo torna-se vassalo de Guilherme. Haroldo apresenta-se tocando em duas caixas de relíquias sagradas – gesto que sacramenta sua palavra. Após retornar para a Inglaterra, o rei Eduardo falece. Haroldo então é coroado e a passagem do cometa Halley assusta a todos: o evento foi interpretado como um prenúncio da ascensão de Guilherme ao trono. É importante ressaltar que os fenômenos celestes e terrestres causavam grande assombro na população medieval: cometas e eclipses, terremotos e dilúvios eram constantemente associados a mau presságios e ao fim do mundo. O avanço nos estudos da Astronomia com o Heliocentrismo de Copérnico (1543) e, um século depois, com Edmond Halley (astrônomo que descobriu o primeiro cometa, em 1696) comprovariam a aparição daquele assustador fenômeno incluído na narrativa bordada.
Haroldo (direita) jurando fidelidade a Guilherme durante a Batalha de Hastings, século 11 - Fonte: Giraudon/Art Resource, New York
Detalhe de embarcação normanda - Tapeçaria Bayeux
Detalhe da última cena da Tapeçaria Bayeux, que registra os ingleses fugindo dos normandos
Com cerca de 70 metros de comprimento por meio metro de altura e cenas repletas de realismo, a Tapeçaria Bayeux segue a narrativa (sob o ponto de vista normando) apresentando a conquista normanda da Inglaterra, em 1066. Ela registra visualmente a derrota anglo-saxã das forças de Haroldo II, rei da Inglaterra (1066) na batalha de Hastings (confronto que mudaria decisivamente a história da Inglaterra – e a forma de se fazer guerra na Idade Média).
A autoria da Tapeçaria Bayeux ainda não foi descoberta: alguns acreditam que tenha sido bordada por Matilde de Flandres, rainha consorte de Guilherme, e pelas suas damas de companhia. O mais provável, entretanto, é que tenha sido confeccionada numa oficina profissional da Inglaterra ou da França, entre 1070 e 1080, sob encomenda do meio-irmão de Guilherme, Odo. Já a autoria dos desenhos é atribuída aos monges da Abadia de Santo Agostinho.
Detalhe de Odo, primeiro chefe da Justiça da Inglaterra - Tapeçaria Bayeux
Redescoberta por estudiosos em 1729, quando ainda estava em exibição na Catedral de Bayeux, a Tapeçaria Bayeux é um dos maiores documentos imagéticos da Idade Média. Com representação de cerca de 60 cenas e inscrição de igrejas cristãs primitivas (tituli), o imenso bordado descreve magnificamente diversas cenas cotidianos da nobreza de meados do século 11. Considerada patrimônio documental da humanidade, a obra está inscrita desde 2007 no Programa Memória do Mundo da UNESCO e atualmente se encontra no Musée de la Tapisserie de Bayeux, na Normandia.
--- Acompanhe a série especial sobre a Idade Média:
• Os vitrais medievais • O Oriente dos viajantes medievais • A Alquimia