O Poeta Triste do Rock
" O Passado é agora parte do meu Futuro, O Presente está bem fora de Controle "- Ian Curtis
Primeiro estranha-se, depois há um choque profundo na nossa alma, depois tudo se adoça perante a beleza sombria e crua dos poemas de Ian Curtis, acompanhados pelas melodias envoltas em neblina sonora, ritmo militar de bateria e um sentimento profundo em cada riff dedilhado. Não é fácil tornar a ser a mesma pessoa após conhecer esta extraordinária banda. E isso não é de todo, mau. De facto, é maravilhoso. Tudo começou quando, em 1976, Ian Curtis conheceu os seus futuros colegas de banda num concerto dos Sex Pistols em Manchester. Eram eles : Bernard Sumner na guitarra, Stephen Morris na bateria e Peter Hook no baixo. Ofereceu-se para vocalista e compositor. Nasceram então os Warsaw, versão punk da futura banda, os Joy Division que viriam a durar de 1976 a 1980. São talvez, a banda mais famosa do Post-Punk. Editaram apenas dois álbuns, pela Factory, editora do famoso Tony Wilson. O álbum Unknown Pleasures de 1979 e Closer de 1980. No entanto, foi com o single " Love Will Tears Us Apart" lançado após a morte de Ian Curtis que se tornaram famosos.Passaram a figurar na história da música mundial.
Ian sempre gostou de musica, de literatura, especialmente de poesia... desde pequeno. Com o surgimento do Punk e do lema “Do it Yourself” (faz tu mesmo), a possibilidade para qualquer jovem amante de musica subir a um palco nunca foi tão real. As portas abriram-se nesse sentido e qualquer um poderia de facto, mesmo não sendo tecnicamente assombroso, ter uma banda e possível sucesso.
Não é o caso dos Joy Division, eles sabiam bem tocar e o que faziam. Conheceram-se desse modo ainda o punk vigorava e acabaram por ser pioneiros no que se seguiu : O Post-Punk. Uma resposta antagónica ao Punk. De facto a musica dos Joy Division é intimista, mais virada para as emoções humanas, sombria, com melodias simples mas negras, profunda pela poesia das suas letras que tanto roçavam o auto-retrato da alma de Ian Curtis, mas ao mesmo tempo também podia ser dançável e enérgica. Alguns exemplos dessa obscuridade devastadora são as musicas : "Decades" e " The Eternal" do segundo e póstumo álbum Closer. Este álbum surge aliás, como uma coincidência macabra, visto que o próprio titulo, a art-work da capa principal ( Uma lápide do cemitério Staglieno,em Génova, Itália) e a sonoridade pesada parecem prever o que de facto iria acontecer : Ian enforcou-se na sua cozinha em Macclesfield, segundo a lenda ouvindo o álbum " The Idiot" de Iggy Pop.
Ian sofria de epilepsia. Nos anos 80 a cura para esta doença ainda passava muito pela combinação de vários medicamentos de modo a se descobrir a formula mais eficaz de controlo dos ataques. No entanto, além dos efeitos secundários, a doença não era de modo algum compatível com o modo de vida de “ rock star” que Ian levava. Após o sucesso do álbum Unknown Pleasures, em 1979, o primeiro da banda, a epilepsia de Ian começava a agravar-se em palco. Tanto que começa a tornar-se uma espécie de dança em transe espiritual para quem assistia...O público ignorava estes factos estando longe de imaginar que de facto, o que se passava é que ele tinha fortes crises epiléticas em plena actuação.
Bem, não quero descrever pormenorizadamente a biografia deste poeta triste do Rock, porque já existem centenas de biografias online, livros e até um filme bastante agraciado pela crítica : “Control” de Anton Corbijn. Não era esse o meu interesse com este artigo. O meu objectivo é aguçar a curiosidade dos amantes de música que ainda não conhecem a banda e fazer sorrir os que já tiveram essa sorte e apreciam o inegável talento deste ser com uma voz de barítono inconfundível. Pretendo apenas realçar a beleza inebriante dos poemas do Ian Curtis, por vezes chocante, de tão explicitamente nos confrontar com os seus medos, frustrações e desesperos e consequentemente, ir ao mais intimo de nós próprios. Nunca alguém, na minha opinião, como compositor, tinha exposto tais destroços emocionais como alienação, isolamento, um amor acabado... de maneira tão frontal. Atinge-nos como uma bofetada directamente ao coração. Após Jim Morrison, creio que o Ian Curtis foi o seguinte poeta do Rock, mas mais amargurado, castigado pela doença, pela personalidade melancólica, pelos problemas conjugais e pelo crescente sucesso da banda. Ian é mais uma prova que a morte, infelizmente, engrandece.
E enquanto tremia e gesticulava em palco, vestido de negro, olhos azuis brilhantes… assim cantava :
"Mother I tried please believe me, I'm doing the best that I can. I'm ashamed of the things I've been put through, I'm ashamed of the person I am Isolation"
"Mãe, eu tentei, por favor acredita em mim Estou a fazer o melhor que posso Tenho vergonha das coisas que tenho feito Tenho vergonha da pessoa que sou Isolamento"
Termino com um clássico da banda, a musica "Atmosphere" em sua memória.