Por que o Brás?
O papel que certas áreas da cidade de São Paulo desempenham em seu crescimento gera sempre estranheza, curiosidade.
Cidade cada vez mais adensada, de forma desordenada é bom que se diga, os terrenos tornam-se peças fundamentais na especulação imobiliária por aqui. Cada vez mais, os custos de unidades prontas ou em planta tornam-se incompatíveis com a média de renda paulistana, em parte função da falta destes terrenos e áreas para unidades residenciais.
Mas não irei discorrer sobre um tratado macroeconômico desse mercado, confuso, difícil e injusto, mas sim lançar um olhar sobre uma região onde ainda abundam extensas áreas "transformáveis", onde grandes galpões industriais decadentes transformam-se (ou não) em sonhos megalomaníacos ou ainda de usos que não consideram sua vizinhança ou equilíbrio em sua cidade.
O Brás, antigo bairro industrial de São Paulo, é uma área que se identifica com o perfil que acima descrevi. E hoje, de forma excessivamente concentrada, possui extensas áreas comerciais em que à noite tornam-se grandes desertos humanos, pela falta da desejável mescla de funções urbanas.
Sonho megalomaníaco no final dos anos 1990, o Maharishi Tower foi um projeto que felizmente não saiu do papel: desapropriação de área equivalente a 70 quarteirões no bairro do Pari, um prédio inspirado na cultura védica seria um protótipo da vida confinada, pois segundo seus marqueteiros, poderia-se "nascer, viver e morrer no Maharishi", sem que fosse necessária a saída do mesmo.
Ali se concentrariam residenciais, comércio, hotéis, hospitais, escolas... Seria tão alto que lançaria uma sombra de cerca de 3 km sobre a cidade, o que seguramente geraria desequilíbrios no cotidiano. Ninguém tão pouco considerou à época os impactos no trânsito de veículos no entorno imediato, assim como a falta de estudos sobre a geração de resíduos produzido por um prédio gigantesco de 108 andares. E o que dizer sobre o consumo de água, então, extremamente concentrado?
A sanha megalomaníaca não é exclusividade do Brasil, muito pelo contrário, acomete o mundo inteiro. Símbolos fálicos do poder, mega-obeliscos corporativos são edificados buscando "exclusividade"...
A arquitetura do passado, admirada e criticada, que passa pela maestria de obras de geometria ímpar e grandiosidade recrimináveis, vê-se que ainda hoje tem os seus adeptos, e não importam quais os seus objetivos, não faço uso do julgamento de valor ou fé. E dessa vez o Brás, com características semelhantes ao Pari e seu frustrado Maharishi Tower, é agora contemplado com a mega-obra do Templo de Salomão.
Uma cidade deve ser discutida de forma ampla, cidadã, e que tenha como base um Plano Diretor consciente que vise o equilíbrio de usos em uma cidade complexa como São Paulo. A forma como se deu a aprovação deste projeto lança dúvidas, sim, se os governos realmente se importam com uma cidade equilibrada, acessível e justa para todos dessa metrópole.
Num eixo onde já se concentram vários outros locais de culto, volta-se à pergunta do necessário equilíbrio, que não acontece nessa porção da Zona Leste da cidade. Longe de se imaginar a cidade romântica dos tempos das fotos em P&B, o que poderia-se esperar é que nenhum tipo de interesse que não fosse o efetivamente coletivo, viesse a se sobrepor numa cidade cada vez mais débil. É a fé numa cidade cidadã e equilibrada que deveria se impôr aos nossos governantes.