O Armagedon paulistano, ou, "o mar vai virar sertão"...
Ilustração de Tiago Costa e Silva
Longe de querer parecer profético, pois tantos já falaram, cantaram e prosearam a respeito... Será que realmente estamos muito distantes deste cenário acima? O “armagedon paulistano” começa agora, ou talvez já tenha começado há muitos anos, décadas atrás.
A água como fonte de vida... privar-se dela é algo impensável, não? Pois está acontecendo, agora, por diversos motivos, e muitos já intuem ou mesmo escancaram o porquê. A saga pelo poder, via corrupção política, está arrasando nossa confusa megalópole chamada São Paulo.
A falta de planejamento urbano em São Paulo é algo que vem de longe, e tem sido perpretada pelos diversos ocupantes do poder público, em todos os níveis. Há uma infalível responsabilidade das esferas municipal, estadual e federal nesse desdobramento atual, não há como fugir das evidências. Como é que se imaginam infinitos os recursos hídricos locais para esse imenso mar de prédios?
A reserva já seca da Serra da Cantareira, São Paulo. Foto: Sergio Castro/Estadão
Áreas de várzeas de rios, que deveriam ser preservadas como parte de um organismo vivo (?), sofrem uma ocupação urbana desenfreada com a conivência do poder público. Outras áreas de vegetação, se consideradas 'subutilizadas', também. Há uma crescente explosão demográfica por m², e como conseguir mais água? Pretenderiam que a transposição do Rio São Francisco também venha a atender São Paulo?
Desperdício e falta de planejamento por parte das concessionárias de saneamento, desmatamento ilegal da Amazônia e consumo irracional da água por parte de empresas, agricultura e residências são os principais ingredientes.
Os inúmeros vazamentos na cidade. Foto: Reinaldo Canato/UOL
Há tempos que defendo o que muitos poderiam achar absurdo: além de todos os preceitos do bom planejamento urbano, o crescimento de uma cidade dever-se-ia limitar em função de sua capacidade hídrica! O capital especulativo imobiliário não pode se impôr ao Brasil, um país de dimensões continentais! E por quais motivos devemos nos entulhar, como se vivessemos por acaso no Japão, onde a porção de terras habitáveis é tão exígua? Que os administradores desta nação sejam capazes de executar um desenvolvimento homogêneo, distribuído pelo país como um todo. Não faltam generosos espaços e recursos.
A super concentração urbana tem se mostrado uma catástrofe para a cidade, seja pelas ilhas de calor formadas na ausência de áreas verdes, como pela falta de transporte coletivo de qualidade que atendam essas áreas. A falta de equilíbrio entre a distribuição de moradias, emprego, cultura e lazer propicia esse caos já bem conhecido. E não há Plano Diretor que conserte tamanha distorção!
Adensamento irracional, no bairro de Itaquera, São Paulo. Foto: Franklin Nolla
Bem ao contrário do adensamento urbano defendido por urbanistas, o caos que de fato se instalou na cidade já era bem perceptível, evidente há muito tempo. Mas tudo sempre tende a deixar que a população esqueça ou sequer entenda seus reais problemas. Nada como, em pleno verão, exaltar-se o aniversário da paulicéia... desvairada, desnorteada, ressecada, inconsciente.
"Forsaken", ilustração de Jonas De Ro
A quem insiste na partidarização dessa discussão, um sinal claro de cegueira, apenas faz com que nos distanciemos da busca de soluções urgentes para o problema. Mas o prejuízo já está aí. Mover-se finalmente para um caminho de fato mais sustentável é algo penoso, caro e de longo prazo, sob pena da continuidade da omissão oficial vir a inviabilizar a vida na cidade de São Paulo, como hoje conhecemos.
Ensaio sobre a cegueira, coletiva. Êxodo urbano à vista?
Jamais poderiam se omitir diante de tal situação! Os representantes públicos são o reflexo das escolhas da sociedade, via democracia do voto, seja ou não imperfeito. Não sou um cientista político para analisar esse viés, mas claramente o despreparo acontece pelo desperdício evidente que a própria sociedade perpetua no dia-a-dia.
E falo somente da água...
"O homem chega, já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia alagar
O sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-Sé
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira o gaiola vai, vai subir
Vai ter barragem no salto do Sobradinho
E o povo vai-se embora com medo de se afogar.
O sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão"