Os caminhos tortuosos da consciência cívica
Assim como uma linha férrea tende a segregar parte de uma cidade, divindo-a em dois lados, a falta de esclarecimento e educação também o faz.
Vivemos tempos estranhos no Brasil atual, onde temos afloradas - evidenciadas e exacerbadas - uma série de questões e preconceitos, um país que cômoda e convenientemente se acostumou em auto aclamar-se como o “país da tolerância”. E ele não o é.
Este momento, reflexivo e interior, evidencia a realidade em que vivemos hoje, e talvez no resto do mundo também (permitam-me dessa vez chamar o resto de mundo de "resto"), realidades estas urbanas ou não. Afinal, somos nós que fazemos a vida, e os seus caminhos.
A cidade e seu ritmo acelerado, sempre ofecere possibilidades
Poderia discorrer sobre variados temas, pois como disse anteriormente, desvelaram-se um turbilhão de antigos e nunca resolvidos problemas sociais e comportamentais... Irei ater-me a um específico e palpável assunto: a repressão política e social num regime de secessão. E não é preciso ir longe para ver e entender os maus exemplos, e como uma sociedade pode transformar o sofrimento em consciência pessoal e política.
Os caminhos serão sempre pessoais
Córdoba, na Argentina, é uma cidade que deveria ser muito mais reconhecida como um dos berços da cultura sul-americana, já que foi nesta cidade em que se criou a primeira universidade da Argentina, em 1613. Para quem gosta de urbanismo, arquitetura, cultura e aprecia Buenos Aires por exemplo, irá entender que a escala urbana de Córdoba é de fato mais aprazível e desfrutável. Claro que esta afirmação vem da visão de um urbanista, mas posso garantir que é facilmente perceptível àquele que se dispõe a conhecer uma cidade em sua essência.
Arquitetura que renova, Centro Cultural Córdoba
Conhecimento e caminhadas, gosto muito de conhecer e percorrer a cidade a pé. Assim, tem-se a rara oportunidade de não apenas se ater aos pontos turísticos tão aprazíveis, como também através da arquitetura, e um exemplo é conhecer parte da história de uma cidade ou país via observação mais detalhada.
A beleza da cidade pode esconder a dor, mas não consegue
E foi justamente numa dessas andanças realizadas por esta bela cidade em que pude me deparar com o antagonismo entre cultura, repressão e consciência que envolve o processo social de uma nação.
A Pasaje Santa Catalina e o sempre recordar do que se deve sempre evitar, desaparecidos...
Enquanto que anistias “gerais e irrestritas” aconteceram por aqui, premiando verdadeiros criminosos da humanidade, no país vizinho mandaram ex-presidentes ditadores para a cadeia. As atrocidades cometidas ali apenas esperaram o momento correto e possível para se apurar, debater, julgar e condenar os responsáveis por tais atos. E quais atos seriam estes?
A justiça que deve alcançar a todos
Tortura física e psicológica, raptos, assassinatos... simplesmente por ter credos políticos ou religiosos diferentes, quiçá sociais ou de raça, ou ainda por orientação sexual. Cerceamento de liberdade do pensamento ou ideológica, algo que conhecemos muito bem, seja pela literatura como pela própria história nacional.
O pensamento aprisionado
Intolerância levando ao extremismo e à tragédia, à destruição de lares e credos... que na verdade apenas os deixaram latentes, para ressurgirem conscientes, fortes e inesquecíveis. Aprendizado e consciência, sem que no entanto deixassem suas profundas e doloridas marcas.
O grito mudo, a dor de quem se foi e daqueles que ficaram
A arquitetura de um prédio original, ou a distorção dela, também pode servir à opressão. Da mesma forma, ícones públicos ou mesmo instituições religiosas tampouco são salvaguardas da liberdade, do grito, da livre expressão do ser.
O isolamento ante às instituições, lado a lado
Voltando à Córdoba, vê-se que uma nação com uma boa base em seu sistema educacional dá continuo suporte à consciência política, ainda que o país passe por vendavais econômicos tão duros quanto os daqui. E justamente essa preciosa base educacional que abrange a maioria da população gera uma sociedade mais consciente, questionadora... liberta.
Jamais esquecer o passado... não viver dele, ensinar e aprender, sempre
Falei em crescimento, que poderia se dar quando as pessoas de fato se dispõem a conhecer a verdade e encarar suas consequências e benefícios. Na minha humilde opinião, o Brasil engatinha neste quesito, e talvez tenha perdido para sempre uma oportunidade de realmente crescer com a adversidade, afinal, com tanto ódio em contínuo processo de destilação, ficaremos mais uma vez à baila da nau dos inconsequentes. O torpedeamento em seu sistema educacional apenas reforça a verve de que não precisamos necessariamente estar num declarado estado ditatorial para sermos oprimidos, esmagados pelos orgãos e opinião pública (esta última inconsciente ou não), e manipulável.
"Los arboles de la vida", obra de arte e monumento à consciência nacional argentina
Que possamos aprender, criar massa crítica e refletir sobre comportamentos impensados e massificados, para não nos transformarmos em meras marionetes zumbificadas. Que a educação e consciência prevaleça sempre, através da tolerância e diálogo.
Todas as fotos são de autoria do autor, Edgard Georges El Khouri, todos os direitos reservados ®elkhouri