Personagens do Velho Chico (Última Fase)
Depois de passar pela Represa de Sobradinho o rio São Francisco assume nova feição: suas águas tornam-se tranquilas e límpidas, resultado da sedimentação de partículas em suspensão antes da barragem; a cor verde-esmeralda se mantém até próximo à foz, pelo menos no período sem chuvas que passei nesse percurso. E barcos de passeio, lanchas, iates passam a fazer parte da paisagem.
Mas não é apenas o rio que se transforma, mas também a população ribeirinha. Em Petrolina, a intensa irrigação das lavouras trouxe enriquecimento e fartura; imensas plantações de uva e frutas tropicais mudaram a vocação econômica e trouxeram um padrão de vida metropolitano à cidade, que agora contrasta fortemente com sua irmã Juazeiro, da Bahia, na outra margem do rio, cidade simples e antiga, com hábitos humildes e belas igrejas.
Ana das Carrancas foi uma personagem importante pois também mudou a arte do rio: suas carrancas não foram esculpidas na madeira, mas modeladas no barro, tirado das águas onde ela costumava lavar roupas e aprendeu o ofício de artesã. Sua extensa obra ainda pode ser vista em seu atelier, em Petrolina, no qual sua filha cuida do acervo e desenvolve sua própria criação.
Roque Santeiro também aprendeu a fazer carrancas, mas de madeira. Seu trabalho é requisitado de muitas regiões do planeta, e evidenciam uma arte detalhista, santos em tamanho quase natural, anjos, carrancas, personagens oníricas inventadas pelo imaginário popular, e enriquecidas pela sua imaginação de artista.
Permaneci alguns dias em Petrolina para conhecer seu Museu do Homem do Nordeste e a obra desses dois artistas populares. Também visitei a hidrelétrica e a capela onde Dom Frei Luiz Cappio jejuou pela segunda vez, protestando contra as obras da Transposição. Protesto inútil, pois o governo que se diz "do povo e dos trabalhadores" só escuta a voz dos ruralistas...
Segui viagem em direção a Santa Maria da Boa Vista, uma pequena e linda cidade de Pernambuco, onde permaneci por alguns dias, visitando Monte Carmelo e comendo buchada de bode. Dizem que Lula também comeu, mas não era bode: era carneiro, poupando o paladar sensível do presidente. O prefeito, que aparece na foto, me deu hospedagem e um assessor para me mostrar sua bela cidade.
Ednaldo Cirilo, índio Truká que aparece à frente da oca de Toré, é descendente dos antigo líder dessa etnia, e contou-me que os índios foram enganados pelos religiosos no século XVIII, que os convenceram a doar suas terras em troca de um lugar no paraíso dos brancos, que não era o deles. As terras ocupavam cerca de 100 ilhas próximas a Cabrobó, que a Igreja vendeu a seus "fiéis", incluindo a Ilha de Assunção, a maior delas, hoje devolvida aos descendentes dos Trukás, e transformada em Terra Indígena, sob os olhares indignados da "elite social" de Cabrobó, que não se conforma com a perda de suas casas de campo...
Com a traição dos padres católicos, os Trukás se espalharam por Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe. Mesmo depois de decretado o resgate e a posse em suas terras originárias, muitos indígenas não retornaram a Pernambuco. Na foto, a Cacique Neide, Truká de Paulo Afonso que, junto com sua família, preferiu ficar na Bahia e fundar uma pequena comunidade Truká. Hoje ela luta para oficializar seu pequeno território e tenta vencer a burocracia brasiliense, insensível a seus dramas.
Piranhas é uma cidade histórica de Alagoas, e ficou conhecida pelas passagens de Lampião e seu bando, que também se escondiam nas cavernas próximas a Paulo Afonso. Lampião acabou sendo surpreendido pela "Volante", nome pelo qual eram conhecidos os soldados que não lhe deram tréguas e exterminaram o bando pouco abaixo de Piranhas, em um refúgio em terras sergipanas. Na foto acima, crianças têm sua aula de artes às margens do Velho Chico, em Piranhas.
Foz do Velho Chico e encontro de suas águas com o mar: fim de minha aventura e expedição pelas águas do São Francisco, depois de 100 dias de vivências que transformaram minha vida para sempre. Nesta foto pode-se ver os barqueiros nas praias do rio e, ao fundo, as ondas quebrando nas praias do Oceano Atlântico. Foram 2.700 quilômetros em um pequeno barco de 4,5 metros, 23 quilos, levando-me pelas águas quase sempre tranquilas do rio São Francisco. Poucos tiveram a minha sorte, de viver intensamente um ano de emoções profundas e conhecer tantas personagens fantásticas, descendentes de 500 anos de nossa história. Cheguei na foz no dia 7 de dezembro de 2009; saí da Serra da Canastra dia 30 de maio desse mesmo ano; e estive parado, tentando viabilizar o resto de minha viagem entre 12 de junho e 20 de setembro, meu barco parado em Três Marias à espera de apoio financeiro e logístico que nunca chegaram.
Minha epopeia se encontra toda descrita em: http://lulanaoleu.blogspot.com/