O mito da neutralidade
O trabalhador Fatigado - por Giorgio de Chirico
Desconsidero os que se mostram sempre "isentos", "neutros". Assim como faço com os donos da verdade e sectários imutáveis.
Na sanha vã de parecer neutro é que reside a mais radical das definições, a pelo setor dominante. Em uma sociedade desigual há de se ter lado.
A neutralidade, na ciência ou na política, é uma evidência de fraqueza tão grande quanto a certeza "absoluta". Não tomar partido é tomar partido. Max Weber teria dito que "o neutro já optou pelo mais forte".
A censura se diz neutra, os que denunciam "doutrinação de professores esquerdistas" acham que são neutros. Viver a docência em escolas públicas no Brasil e não lutar e não se posicionar é uma contradição pedagógica e política.
“O Almoço do Trolha” de Júlio Pomar
Professores que tenham posicionamento politico não são necessariamente sonegadores de perspectivas outras, seu papel é também desenvolver senso crítico e não apenas ditar enciclopédias. Já professores que se dizem "neutros" não irão ofertar aos alunos aquilo que consideram "politicagem", irão estigmatizar o "desviante", poucos desses serão lembrados.
A neutralidade pedagógica ou política é a postura que reproduz o status quo, que naturaliza as mazelas social e culturalmente desenvolvidas.
O professor que sofre as agruras da profissão, que experiencia as concretas dificuldades de alunos e colegas, que vive a dor das desigualdades no dia a dia deve ser neutro? A quem isso interessa?
Em um tempo que pede compromisso e mudanças não há espaço para neutralidade.
"Arte do Mato" de João Sebastião (1949), artista mato-grossense.
As injustiças e desigualdades sociais não serão superadas pelos neutros, pelos que lavam as mãos na mais cômoda das posturas, pois nada é responsabilidade deles e nem será.
A neutralidade é mais um mito que ganhou força real. "Los mitos que se creen tienden a convertirse en realidad." George Orwell.
Os "neutros moderados" de hoje são os que estão instituindo uma vasta pauta de retrocessos: Anti-Reforma Política, Redução da maioridade penal, projeto de "escola sem partido", revisão do estatuto do desarmamento etc... Curiosamente o grupo político que reivindica a neutralidade é o que acredita que o neoliberalismo é uma saída científica, que a sociedade é um composto de decisões individuais e que o mérito é um critério justo de classificação de status e lugar na pirâmide social.
O bom e aceito valor da neutralidade como justificativa para a manutenção das hierarquias sociais estabelecidas. Há uma grande confusão no mundo educacional e fora dele, entre objetividade e neutralidade. A primeira é quase sempre recomendável e possível, a segunda é inviável, não há conhecimento sem interesse, sem política.