Julgamentos
Uma foto entre amigos para comprovar o quanto minha vida noturna é terrivelmente divertida e o quanto sou docemente imune à agruras deste mundo imundo. A legenda é uma profusão frenética de pontos de exclamação e interrogação, acompanhados do que parecem ser reticências que têm seus usuais três pontos elevados à extrema raiz cúbica. Para deixar bem claro o quão animada e recheada de amigos é minha farta existência, uma hashtag otimista: #weloveparty.
Em tempos tão modernosos e pobres de conteúdo, aqueles que leem livros são a exceção. Pessoas cultas, inteligentes, intensas, boas de papo, interessantes. Além de ser um ávido leitor, consigo ficar bonito e fazer caras de conteúdo enquanto leio Dostoievski, Proust, Poe. Daí a oportunidade para fotógrafos de ocasião (no caso, eu mesmo) tirarem retratos de mim enquanto leio em uma sala, próximo a uma janela atravessada pela penumbrosa e aconchegante luz de um preguiçoso entardecer. Iluminação, pose, cultura, poltrona, estante cheia de livros. Eu sou a raríssima exceção.
Sou colunista de um grande jornal e liberalmente livre para duvidar da capacidade intelectual daqueles que possuem posicionamento político e ideológico diferente do meu. Pertenço a uma classe de pessoas classificada como “massa cheirosa”, já que moro na região mais desenvolvida e ariana do meu país. Inconformado com o resultado das eleições presidenciais, utilizo minha posição na grande mídia para disseminar o ódio e angariar o maior número possível de pensamentos reacionários. O que aprendi na faculdade de jornalismo foi esquecido.
Vocês, ouvidores de funks periféricos baixados corsariamente via PirateBay, não sabem nada sobre boa música. Eu e minha coleção de CD's e LP’s é que somos os tais, com nossa cultura old school equilibrada. O rock com tendências folk do sul da Alemanha que ecoa aqui da minha vitrola é o mais puro e saboroso creme do milho. O funk pagodeado dos guetos cariocas e paulistanos é um lixo abominável. Meu gosto é refinado. O dos outros, puríssima bobagem.
Meu nome é Robert O’Neill, tenho 38 anos, sou veterano das guerras do Afeganistão e Iraque, membro de uma unidade destruidoramente especial da Marinha americana. No dia 2 de maio de 2011, eu e meus comparsas adentramos a casa do fundador de uma organização terrorista chamada Al Qaeda. Como todos sabem, Osama Bin Laden teve o crânio destruído por um tiro. O que vocês não sabiam é que eu fui o autor do disparo. Sim, eu sou o novo messias, herói da humanidade, o Odisseu do século XXI. E eu tive que vir aqui, contar isso para o mundo inteiro. Afinal, minha vida é muito interessante para passar despercebida.