Carniceiros
A partir do dia 11 de setembro de 2001, o jornalismo como todos conheciam sofreu uma grande mudança. O mundo assistia em tempo real ao maior atentado terrorista da história. Nos anos seguintes, satélites de emissoras espalhados pelo planeta transmitiam a ofensiva estadunidense em solo inimigo, bombardeando escolas e igrejas, dizimando vidas inocentes.
A violência da vida real tornou-se explícita. Em meio a tiroteios sempre há uma câmera para registrar a violência do ataque e a fúria do contra-ataque.
No momento do atentado contra o jornal francês Charlie Hebdo, havia o olhar bem posicionado do cinegrafista que registrou a impiedosidade do assassino contra o policial rendido no chão. Os vídeos das barbaridades realizadas pelo Estado Islâmico são acessados por milhões de espectadores sanguinários. Resultado: os níveis de audiência televisiva sobem feito foguete. Sangue e sofrimento alheio sempre atraíram o ser humano. A execução pública de prisioneiros em outras épocas eram os espetáculos prediletos das populações.
Na era da tecnologia, uma nova profissão foi criada: os nightcrawlers, freelancers que registram o momento exato do sofrimento humano em meio às ferragens retorcidas de um automóvel. Eles vendem essas imagens às emissoras que pagarem mais por elas. Uma forma barata de alimentar a audiência de jornais sensacionalistas. As tragédias vistas no noticiário da manhã são os assuntos preferidos do dia.
O filme O Abutre, dirigido por Dan Gilroy e protagonizado por Jake Gyllenhaal, é fotografia exata desse cenário. A história: Lou Bloom é um pequeno ladrão de Los Angeles que descobre o lucrativo negócio explorador da curiosidade humana pelo sofrimento. Com uma câmera na mão e nenhuma ética ou escrúpulo na cabeça, ele ascende como narrador noturno do caos urbano, período em que mais ocorrem assaltos, assassinatos e acidentes. Logo no início do dia, o telespectador é bombardeado por doses cavalares de informação sobre o que aconteceu no mundo enquanto dormia.
Seriam os nightcrawlers indivíduos cruéis, tanto quanto assassinos e assaltantes? Não. Eles apenas fornecem às emissoras o que a população exige e quer ver. São anti-heróis anônimos, sobreviventes urbanos que enfiam suas mãos na sujeira para ganhar a vida.
Cinegrafistas, jornalistas e espectadores. Todos são carniceiros à sua maneira.