Freud — Lapsos de Linguagem
O livro “Psicopatologia da Vida Cotidiana” (ed. 1966 Zahar Editores) é delicioso!
Freud narra os próprios lapsos, os de outros psicanalistas e os de clientes, além de apresentar, claro, os valiosos e lúcidos fundamentos psicanalíticos.
Ficamos aqui com a parte lúdica de alguns lapsos de linguagem, leitura e escrita:
- um cliente disse: “Não gosto de dever, especialmente a médicos. Prefiro jogar [play] já.” — ao invés de pagar [pay]. Freud ficou de sobreaviso, mas tranquilizou-se quando o cliente pagou em dinheiro a metade da consulta, prometendo enviar um cheque da diferença. Dias depois, a carta de cobrança voltou com a indicação de “destinatário desconhecido”; neste momento, Freud percebeu que aquele lapso entre “jogar” e “pagar” traiu o cliente.
- Certa ocasião, Freud repreendia uma cliente, cujo marido — conforme combinado anteriormente com o psicanalista — estava ouvindo atrás da porta; no fim do sermão, que causara visível impressão à esposa, o próprio Freud põe tudo a perder, despedindo-se dela: “Até logo, Senhor.”
- Uma mulher disse à outra em frente à farmácia: “Se aguardar alguns movimentos, eu voltarei.” Iria comprar um purgante para o filho; queria dizer “momentos”.
- Um psicanalista, ao comentar sobre um possível tratamento: “Poderei, com o tempo, remover todos os seus sintomas, pois é um caso durável.” Queria dizer “curável”.
- Uma jovem esposa disse sobre a dieta do marido: “O médico disse que meu marido pode comer e beber o que eu desejar.”
- Uma respeitável senhora exprimiu-se numa roda: “A mulher tem de ser bonita se quiser agradar. Os homens tem mais sorte, basta que tenham cinco membros.”
- O psicanalista Sándor Ferenczi, quando estudante, preparara-se arduamente para recitar, pela primeira vez, um poema. Ao começar, foi interrompido por sonora gargalhada da turma: dissera o título e, ao mencionar o autor, cita o próprio nome.
- Um político, um tanto pão-duro, ofereceu uma festa. Bem mais tarde, em um momento, em que se supôs, fosse servida a ceia, vieram uns míseros sanduíches. Um correligionário, discursando, exclamou: “Neste anfitrião podemos confiar! Há-de nos garantir sempre uma sólida refeição.” — queria dizer orientação.
- Uma senhora, certamente preocupada com os custos do tratamento: “Dr., não me dê grandes contas [bills], pois não posso engolí-las.” — ao invés de pílulas [pills].
- Um pai para os filhos: “Não devem imitar o seu tio, um idiota.” Ops! Queria dizer, patriota!
- Uma mulher, ansiosa por ter filhos, sempre escrevia “cegonhas [storks]” quando se referia a “estoques [stocks]”.
- Numa tradução da bíblia, publicada em Londres em 1631, no 7º mandamento, faltava a partícula “não”. Consta que o impressor pagou duas mil libras de multa por ter impresso, apenas, o imperativo: “Furtarás”.
- Numa tradução alemã, o pronome de tratamento “Herr [Senhor]” foi substituída por “Narr [Mentecapto]”.
- Ernest Jones relata a carta de um paciente: “O meu mal é todo devido àquela maldita esposa [wife] frígida.” Mas referia-se a uma onda [wave] de frio que lhe destruíra a colheita de algodão.
- Um paciente enviou uma nota de desculpa por não comparecer à consulta: “Devido a circunstâncias previstas não pude comparecer.” — obviamente se entregou, pois iria escrever imprevistas.
- Ernest Jones deixou uma carta sobre a sua mesa durante vários dias; finalmente, colocou-a no correio. Foi-lhe devolvida por não ter colocado o endereço do destinatário. Corrigido o lapso, foi devolvida novamente porque, agora, se esquecera dos selos. Foi forçado a reconhecer que não queria enviá-la.
- Este último lapso é produção local. Em junho, recebemos uma carta com a frase: “o inferno aqui em casa está insuportável.” Corrigido sobre o F de inferno a remetente colocou um V. Ela quis escrever inverno... revelou muito do clima doméstico!
O mestre da psicanálise resume os lapsos de forma magnífica: “o inconsciente nunca mente.”