especial: o cinema beat - parte dois
Os anos 60 inciaram-se negativamente para os beats. Logo no início da década, o presidente do FBI, J. Edgar Hoover declarou: “Os beatniks são uma das três maiores ameaças aos Estados Unidos da América”. Hollywood também não deixou barato. No ano de 1960 o filme “The Beatniks” foi lançado e possuía um enredo que tentava de todas as maneiras rebaixar o movimento ao nível de lodo. Sob uma perspectiva cinematográfica, tudo havia se transformado em um verdadeiro desastre.
No outro lado da moeda haviam os líderes desse movimento e suas opiniões contrárias ao que estava sendo exposto nas telas. Ginsberg, cansado de viver na América e ver boa parte de seu esforço ser escrachado pela sociedade, fez as malas e partiu para o mundo, permanecendo fora de 1959 até 1963. Visitando lugares como a Terra Santa, Índia, Marrocos, Japão e até a Floresta Amazônica (onde veio em busca de uma planta alucinógena chamada yage, ou conhecida pelos índios com ayahuasca, que contém os mesmo princípios ativos usados no famoso chá do “santo daime”). Nesse meio tempo, seu livro Kaddish é publicado e é um sucesso de vendas em todo os EUA.
William Burroughs, já entrando na casa dos 50 anos, muda-se para a Inglaterra onde fixa residência durante todo o resto da década, visitando os EUA esporadicamente. Foi nesse período que ele usou e abusou em seus livros a técnica cut-up, que ele havia aprendido enquanto residiu com Allen Ginsberg e Gregory Corso no Beat Hotel em Paris, no ano de 1957. Seu primeiro livro usando a técnica, Soft Machine é lançado em 1961 e também é um grande sucesso de vendas na América e na Europa.
Allen Ginsberg na Índia, 1963.
E o The King Of The Beats? Desde o estouro de On The Road em 1957, Kerouac havia se tornado uma celebridade e publicava um livro após o outro. Mas sua técnica de “prosa espontânea” estava começando a desagrar os leitores. Metade de seus livros publicados são relatos autobiográficos complexados, resultando em uma certa decadência conforme os anos passaram. Ele havia se tornado um alcoólatra incontrolável, uma homem realmente difícil de lidar. Suas leituras públicas terminavam sempre em confusão ou com o "líder" da recém-nascida contracultura expondo opiniões reacionárias e de direita a públicos de universitários militantes contra a guerra e ao governo de JFK.
Este foi princípio de sua decadência física e mental. Mesmo com todos esses empecilhos e vícios, em 1961, Big Sur, um de seus livros mais sentimentais e maduros é publicado e obviamente, se esgotou das livrarias. A história havia se tornado uma faca de dois gumes para todos os beats originais.
Dos “loucos, rebeldes e místicos” havia sobrado apenas Neal Cassady, o Dean Moriarty de On The Road. Cassady que nunca mudou seu estilo de vida alucinado, mulherengo e junky, fazendo jus a lenda criada por seu companheiro de viagens. Foi em 1964, que Cassady foi convidado pelo escritor Ken Kensey a participar de uma louca road trip pela América. Ser o motorista de um ônibus escolar todo colorido, nomeado “Further” para cruzar a América com os primeiros hippies californianos, conhecidos como “The Merry Pranksters”, 1964.
Neal Cassady pilotando o ônibus "Further", 1964.
O ônibus “Further” e os “The Merry Pranksters” foram considerados o estopim final para que a contracultura estadunidense acontecesse pra valer. Usando On The Road como sua bíblia e seu personagem principal como mestre e motorista, eles viajaram por todos os Estados Unidos pregando as primeiras mensagens de paz, amor e LSD. De volta após 5 anos fora, Allen Ginsberg também se uniu aos Pranksters e fez questão de levá-los a Nova Iorque para conhecer seu maior ídolo, Jack Kerouac.
O ônibus "Further e seus "Merry Pranksters".
Kerouac, por outro lado. Estava em outra sintonia, distante de Cassady, Ginsberg ou os Pranksters. Com os problemas com o álcool ficando cada vez piores, ele se tornou um homem recluso. Havia engordado consideravelmente, estava começando a perder os cabelos e havia aceitado as ideias reacionárias da mãe por completo, se tornando um antissemita racista, de direita, a favor da guerra do Vietnã e contra a vagabundagem hippie (coisa que eles haviam aprendido com ele mesmo). Ao encontrar os Pranksters em Nova Iorque, Kerouac sentou-se em um sofá, com algumas cervejas que ele mesmo havia trazido de sua casa e permaneceu sem falar uma palavra se quer a noite toda. Completamente deslocado e introspectivo, ele não deu a mínima para o que estava acontecendo, ou até pelo para o fato que um das grandes razões dos Pranksters irem até o leste era para vê-lo. Foi uma decepção para todos, inclusive para Kesey, Cassady e Ginsberg. A lenda de On The Road não existia mais e havia dado lugar a um velho chato e resmungão. Essa foi a última vez que Cassady e Kerouac se encontraram.
O ícone de uma geração que aos 42 anos havia se transformado em um alcoólatra resmungão, 1964.
Então vem a pergunta: onde o cinema beat se encaixa em tudo isso? Pois bem. Todas a viagem de Kesey fora documentada em vídeo. As peripécias, Cassady ao volante, e o velho Kerouac sentado no sofá sem dizer uma palavra. Essas filmagens são o relato mais fiel do início da contracultura norte-americana, que não aconteceria sem a influência principal de Kerouac, Ginsberg e Burroughs. Lançado apenas em 2011, o filme “Magic Trip” é o último documento cinematográfico dos beats originais, e um dos únicos documentos que existem em vídeo sobre Neal Cassady. Definitivamente uma preciosidade que vale a pena ser assistida.
O pôster de divulgação do filme, finalmente lançado em 2011.
Não perca a parte três na próxima semana!