Breve romance de sonho
E chegou o carnaval! Tudo ganha contornos de sonhos e fantasia e, durante uma semana as leis da física e dos homens não subsistem à sanha dos foliões. São dias de esquecimento, onde livros são esquecidos pela metade e uma euforia coletiva arranca sorrisos de todos.
Nas manhãs desses dias de carnaval, tudo o que se pede é um bom copo de café, alimento forte e um bom livro, para ajudar a reestabelecer as forças para perdê-las à tarde, em meio aos pulos e gritos.
Para mim, o carnaval é uma época de angústia, solidão, maquiagem e de gritos embriagados.
Todas essas sensações que descrevi, são as sensações vividas em uma única noite pelo personagem central de “Breve romance de sonho”, novela do escritor austríaco Arthur Schnitzler. O personagem vai do total desalento, à mais pura euforia e dela para uma angústia mortal e aterrorizante.
Para se entender Schnitzler (1862-1931) e sua obra, é preciso entender o seu tempo. Nascido nos estertores do grande Império Austro-Húngaro, o autor vivenciou toda a glória vienense como cidade luz e como centro cultural da Europa e sua decadência após o trauma do fim do império; viu nacionalismos nascerem e esteve presente nos círculos intelectuais mais importantes de sua época. Contemporâneo de Hans Kelsen, Freud (com quem teve grande intercâmbio de ideias) e outros exponenciais das belas artes e ciência, ele foi um dos grandes escritores do final do Sec. XIX e início do XX.
Em “Breve romance de sonho”, o personagem central, Fridolin, após uma confissão de sua mulher, sai à noite, angustiado e confuso, em busca de uma aventura amorosa. Espécie de realismo fantástico, nem tudo é o que parece ser e nem tudo está aonde deveria estar. Ele caminha pela “baixa” Viena, no mundo de prostituição, orgias e desejos reprimidos.
Sem entrar em muitos detalhes da obra, Fridolin, um médico burguês afamado sai à noite para atender um chamado urgente de um paciente após uma breve troca de confidências com a mulher, que lhe confessa uma fantasia sexual que teve no passado. Transtornado com o ciúme e angustiado com a situação impotente, o personagem sai às ruas, em um ambiente onírico.
Suas desventuras o levam a uma situação excitante e perigosa; totalmente surreal e envolta em uma atmosfera de sonho (quase o nosso carnaval!). Ele se vê em meio ao mistério de mulheres vestidas unicamente com máscaras, homens mascarados e encapuzados, inebriados por uma música soturna. Cena que culmina em uma orgia.
Mas tudo é mistério e sonho e um sonho é imprevisível. O livro nos faz suar com sua sucessão de acontecimentos e sentimentos. O personagem vai às raias da loucura. O sexo é a linha de condução do livro, que se constrói à partir dos desejos e sonhos.
Em 1999 o livro foi adaptado para as telonas por Stanley Kubrick, com o título de “De olhos bem fechados” (Eyes Wide Shut) – que conseguiu repassar toda a angustiante e onírica atmosfera do livro, ao som de Dimitri Shostakovsky. Em seu último filme, Kubrick recriou com perfeição toda a gama de sentimentos e sobressaltos dos personagens. O filme é fantástico e merece ser assistido: seja em função da história narrada, seja em função, única e exclusivamente, do diretor que assina o longa.
A depender da edição, a novela tem 100 páginas e é muito fácil de ser lida. Transporta-nos para um mundo de sonhos, como esses dias de carnaval! É um bom livro para ser lido nesses dias de libido e de euforia. Leia nessas manhãs de ressaca e perca-se em páginas surreais.
Agora, deem-me licença, que vou ali atrás do bloco!