meu pé de laranja nêspera
"- Mãe, mãe! Anda ver a minha amiga árvore!"
Quando a Mariana nasceu, plantámos uma oliveira no jardim.
Uma árvore pequena: um tronco fino, meia dúzia e mais três folhas. Imagem daquela pequena vida que nascera.
Símbolo da paz que ela - a filha - nos trouxe, legado para um futuro que esperamos e desejamos belo.
Rodeada de árvores plantadas antes do nosso tempo, cercada por outras que - por nós plantadas - trouxeram histórias por outros vividas e fazem parte da história que agora é a nossa, cresce ao seu ritmo, acompanhando nesse crescer lento e firme a vida daquela cuja vida celebra.
[sinto que se cada planta e cada árvore deste jardim falasse - ou se as soubéssemos ouvir - teria uma história única para contar. nas raízes que se entranham na terra e que dela tiram o sustento, guardam a memória de quem esteve e já partiu. numa vida que é mais longa que a nossa vida, as árvores permanecem.
chorarão - as árvores - ao perceber que ficaram sós?]
O meu jardim - onde a oliveira e outras árvores crescem ao ritmo dos anos - é o reflexo do amor daqueles que o trataram. Dos que alisaram a terra, dos que se curvaram para plantar cada pé que hoje cresce, dos que podaram, dos que amaram. Sinal vivo e verde de vidas que fazem parte da nossa.
Há dois anos, um dos que amava as árvores e as tratava como se fossem parte de si partiu, deixando-nos e deixando-as assim, num repente, sem aviso.
Num momento estava. No outro, não.
E as árvores que amava e que o amavam - certezas do coração - choraram e não deram fruto. Fecharam-se em si, despidas, tristes da dor que não podiam gritar.
Quando a Mariana nasceu, plantámos uma oliveira no jardim.
Mas essa árvore - e é aqui que as coisas se misturam e o coração se acelera - não é aquela a quem chama amiga.
A sua - a sua - é a nespereira que o avô plantou. A árvore que nunca (nem antes nem depois) deu fruto. A árvore que - antes e depois - esteve quase a ser cortada.
Nas voltas que a vida e as almas dão, aquela árvore - folhas feias, tronco tosco - ganhou estatuto de amiga. É perto dela que brinca, é a ela que conta segredos e distribui afagos. Dá-lhe abraços; conta-lhe coisas.
E, por uns instantes - que se repetem de cada vez que a vejo sentada debaixo da sua sombra - gosto de pensar que as árvores têm alma, feita da sua vida e da vida daqueles que viveram junto de si e as amaram como parte da própria vida.
Aquela árvore poderá nunca dar fruto. Poderá nunca dar flor.
Mas nunca - nunca - será cortada.