Heterosser Urbano
Corpos pela cidade. Corpos de medo. Tesos. Cidade que recebe, produz e exporta corpos rijos, compõe subjetivações. Vivemos o medo sem vivermos o que faria da cidade medo. É concreto em nós o cerco policial, a bala perdida, olhares amedrontados, o choro mortal. Medimos os passos no descompasso do medo subjetivado. A vida na cidade é o término antes do fim, os ritos funerários como rituais únicos possíveis no dia pós dia. O espetáculo da sociedade é o medo que faz a cidade.
Constrói-se consentido em nós um mapa contornado, de percursos previstos delineados na impossibilidade gerada e geradora do medo. Muros impostos, sobrepostos limitam travessias. Nos rendemos obedientes com mãos postas, emparedados em nós mesmos.
No adentramento de nós no conforto da sala de iluminação televisiva, conhecemos e dominamos as cidades a nós subjetivadas. O anúncio do consumo serve para todo e qualquer lugar, a cidade ameaça é aquela a nos quietar sonhos, desejos, andanças e travessias. Subjetivados em telejornais moldamos a cidade, a vivemos, a detestamos dali, já midiatizados. Subjetividades medo urbanizado.
Temos uma cidade mono: cromática, aromática, fônica. As cores são cinza, os cheiros azedume, os sons tiro. O medo nos espreita e nos retilinea andanças concretas já que imaginadas. Os corpos sonhados são posse, o mar salgado graxa, as ruas largas são becos em que nos espreitam atentos, passo em falso, queda.
Assim viajamos sedentários pelo Rio, cujas maravilhas escondem-se em cartões postais, distantes. Inimaginável presença que se permita molhar na brisa, visitar marinas, se embalar no samba. Vamos até Salvador! O Farol da Barra reflete na parede da sala, dali subimos ladeiras, ouvimos tambores e lavamos escadarias das Igrejas da cidade de São Salvador conhecida e de todos os santos, imagens que nos encantam. Nos inquietamos e arriscamos em Sampa cruzar a São João. Nos quilômetros anunciados de engarrafados descobrimos o inatingível gigantismo da cidade. Lá no Porto tiramos o Alegre, anunciado só no nome. O Seguro inexiste, é aqui, no aconchego do lar doce lar em que tudo chega anunciado, mastigado a nos aquietar. Talvez o porto de Santos, de incidências de surtos infecto-contagiosos diversificados. Recebe de, e exporta para além mar doenças, mortes e medo como todas as outras, se ousamos travessias.
Providos e midiatizados pelo terror, o medo detém o devir latente em nós
Corposcidades por atalhos não mapeados, em deriva audaz contra o medo reinante, o cheiro uniforme, a cor padrão, os sons únicos. Lançados em incertezas desérticas, desvelando modos potencializadores de experimentações imanentes e devires a serem afirmados em outras tantas diferenciadoras e diferenciadas subjetivações.
O texto é de Luiz Claudio Ferreira Alves - Psicólogo, professor no DPE/UFV, participa do programa TEIA/UFV de extensão universitária, doutorando em Psicologia pela UFF, participa do LAPIDAR – Laboratório de Práticas Instituintes Direcionadas a Arranjos Reterritorializantes.
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