A FRATURA PANDÊMICA: ENTRE CONTROLE TOTAL E SAÚDE VITAL
"A culpa é da China. O vírus é chinês". Quantos já não ouviram os bolsonaristas desocupados - ou nem tanto - alucinando para reproduzir o discurso da Fa-milícia em torno do inimigo externo comum (agora sob as bençãos de jejuns). Bolsonaro já sente a fúria frente a sua incapacidade irresponsável em meio à Pandemia. Isac Nóbrega/PR/Fotos Públicas
Embora o vírus tenha surgido em uma província chinesa não é propriamente chinês, como a zika não é brasileiro ou a Leishmaniose paraense, como bem lembra meu amigo Erik Artur (biólogo). Os vírus surgem em um mundo que combina degradagação ambiental, hábitos culturais variados, superaglomerações urbanas e circulação globalizada estimulada pelo "pisoteio turístico do mundo", no dizer de Byung C Han.
Sim, é possível afirmar que a China escondeu inicialmente o impacto do vírus - mas não é o que a maioria dos países fizeram? Não é o que está fazendo o Presidente da República do Brasil? Convocando jejuns - e usando a fé popular para fins politiqueiros - enquanto defende a volta ao trabalho para que a máquina de moer do capital (naturalizada pelo vírus, agora) possa matar irrefreadamente corpos substituíveis por outros na reconhecível necropolítica que denuncia Mbembe. https://esquerdaonline.com.br/2017/01/18/a-necropolitica-penitenciaria-brasileira/
Outros culpam a China por concentrar a produção de insumos e equipamentos médicos e assim lucrar com a Pandemia. Ora, quem dirigiu a produção mundial à China senão os países ocidentais? Desejosos de exploração massiva de mão-de-obra obediente, disciplinada, submissa a um poder autoritário, sem garantias ou formas de organização sindical própria e superabundante para morrer e ser substituída mantendo a roda girando. E ainda acusam a China de ser comunista - e eu sou avesso ao comunismo - só porque usa a foice e o martelo? É ingenuidade absoluta e desejo de se auto-enganar caindo nesse discurso de comunismo mal X capitalismo bom. Só há um sistema majoritário: o capitalismo em toda a sua violência viral e neural, externa e interna, direta e suave sobre cada corpo que ainda vive e viverá sobre este planeta.
Porém, há algo do qual a China pode ser culpada e é alardeado como salvação da Pandemia: o controle digital dos tempos e espaços íntimos. Um entusiasmo em relação aos "coronapp" estão proliferando rapidamente, mesmo no Brasil. Seu mapeamento digital, o uso do celular para fornecer dados, as câmeras usadas para rastrear contaminados, até mesmo drones pegando os fujões, mas também o exército "livre" nas ruas, os enterros em massa sem direito à saber qual a causa, a flexibilização da garantias individuais em favor da "Guerra contra o Vírus" começam a inundar a corrente das soluções. E realmente podem compor parte das soluções viáveis quando a aposta na hidroxocloriquina deixou o campo médico para o campo ideológico no Brasil.https://www.agoranoticiasbrasil.com.br/covid-19-fda-libera-uso-de-cloroquina-e-hidroxicloroquina-para-pacientes-graves-eua/
O desejo de controle dos "indesejáveis" - os doentes, mas normalmente pobres, pretos, das periferias, e também velhos, gays, inadimplentes, sem-teto, sem-terras, pode ganhar um aliado poderoso durante e após a pandemia: a apropriação estatal-empresarial de todos os dados ao nível tanto do nosso tempo e do espaço, quanto da pele e mesmo debaixo dela - como ventilou Harari sobre o que está acontecendo em Israel ou Han sobre a China e Coréia. Embora, aqui no Brasil, as formas de controle de dados massivos teria imensas dificuldades técnicas e humanas para ocorrer em todo o território, em certas concentrações metropolitanas não só está em curso como é absolutamente desejada por não poucos que abdicaram da liberdade em favor da "segurança".
Aqui o buraco é mais embaixo: o "datacontrol" se alia ao aparato policial dantescamente repressivo, possíveis censuras descaradas (como na China) - informações manobradas por uma elite que anda de carros e helicopteros desinfetados usando os dados em nome da Pátria, de Deus e da Geração de Riqueza sem fim - anunciam o que pode vir da "solução chinesa". Coletivo Tela Firme em ação informativa e de auxílio alimentar/higiene no Bairro da Terra Firme, Belém-PA
/https://www.facebook.com/telafirme/photos/pcb.2604620779751202/2604620489751231/?type=3&theater
Agora combine esse controle repressivo com a liderança sem prncípios políticos de liberdade e pluralidade, governando mentes cristãs desejosas de separação mortal e não de encontro, que dizem amém, jejuam, mas sequer conseguem realizar caridade sem se filmar e temos um modelo de controle total que asfixia os lugares como focos da existência. Ao final, teremos uma vida saudável, mas não saberemos o que é viver. E não será culpa só da China.