Violinos e violoncelos de metais
Todos os dias, descartamos objetos que já nos parecem inúteis, desconsiderando o destino que terão para, em seguida, consumirmos mais do que também se afigurará como lixo num ciclo interminável. Do lixo que produzimos, entretanto, passaram a depender muitas famílias em condições precárias. Esse triste fato se repete em diversas partes do mundo e inclusive nas cidades em que vivemos.
Cateura é uma comunidade que cresceu ao redor do maior aterro sanitário de Assunção, capital do Paraguai. Lá vivem milhares de pessoas à margem da sociedade, esquecidas pelo governo e ignoradas pelo restante da cidade, tirando o seu sustento, muitas vezes, do lixo.
Em meio a toda pobreza daquela região, a arte veio a se manifestar como contraponto, provando, mais uma vez, o quanto pode se tornar um fascinante mecanismo de transformação social, recorrente em algumas histórias.
Anos atrás, um aficionado por música, Flávio Chávez, foi trabalhar no centro de reciclagem da comunidade de Cateura, através da qual tomou contato com a realidade das crianças que ali viviam cercadas de toda sorte de necessidades. Tempos depois, criou uma escola de música com alguns instrumentos emprestados. Aos poucos, o número de interessados foi crescendo de uma maneira inimaginável e, muitos jovens que buscavam uma nova perspectiva de vida, passaram a frequentar as aulas, mantendo-se longe da criminalidade. Com isso a demanda de instrumentos aumentou e foi então que Flávio e o catador Nicolás Gómez viram-se diante de uma ousada alternativa: encontrar a solução desse desafio no lixão. Nascia, por assim dizer, a Orquestra de Instrumentos Reciclados de Cateura. Isso mesmo: instrumentos reciclados!
Hoje, os jovens do subúrbio de Asunción maravilham o mundo com seus instrumentos inusitados. Eles já tocaram nos Estados Unidos, na Europa e aqui no Brasil. Chegaram a executar músicas clássicas de compositores, como Mozart, Beethoven, Vivaldi e até músicas inesquecíveis de Sinatra ou ainda a bela Yesterday, dos Beatles. A versatilidade de seus instrumentos e do repertório musical do grupo chamou atenção da banda de heavy metal Megadeth, que, por sua vez, promoveu um show com participação da orquestra.
Além de deleitar o público com suas belas versões, tocadas em violinos e violoncelos metálicos, o grupo desperta reflexões acerca de assuntos extremamente importantes que, por vezes, tentamos ignorar, como o fato de adotarmos um estilo de vida baseado num consumismo desenfreado, responsável por desigualdades gritantes e pela produção de toneladas de lixo sem um destino apropriado. O que fazer?
Será que devemos continuar fechando os olhos para problemas tão reais? Ou será que chegou a hora de nos reavaliarmos e descobrir o que realmente é importante?
Flávio, Nicolas, os jovens músicos e todos que deram vida a esse belo projeto, que mudou e continua mudando vidas através de uma das mais puras e belas formas de arte merecem ser aplaudidos de pé. Torcemos para que ideias brilhantes como essa continuem surgindo e se propagando pelo mundo.
Alguns vídeos: