A ditadura do pensamento positivo
Em tempos de dor latente, todos precisam encontrar algum escape para sobreviver aos seus monstros interiores e exteriores. Uma das ferramentas de sobrevivência é o famoso pensamento positivo. Utilizam desse mecanismo como uma resposta a tudo que acontece de errado na vida: “faltou mentalizar esse objeto de consumo que você tanto deseja”; “se você disser diariamente que está se sentindo bem, você se sentirá”; “finja que está tudo bem na sua vida, e foque nesse sentimento”; “você só sabe dizer coisas ruins, fale coisas mais positivas para receber coisas boas na sua vida.”
O grande segredo de tudo isso é que somos energia e moléculas que vibram e se interligam com os cosmos e todo universo. É tudo uma questão de lei de atração: cada um recebe o que emite para o mundo. Assim aqueles que emitem coisas boas recebem isso de volta, e o mesmo acontece com aqueles que emitem pensamentos, sentimentos e palavras ruins. Por isso que os famosos reclamões, que praguejam sobre todos os fatos da vida, recebem apenas respostas ruins de volta. O contrário também acontece e por isso que os otimistas recebem graças e boas vibrações do universo.
Inclusive várias religiões e crenças pregoam essa ideia. Destaca-se nessa entrelinha a prática do Ho’ponopomo que consiste em limpar a mente e todas as recordações ao recitar “Sinto muito. Me perdoe. Te amo. Sou grato.” A ideia é dizer essa frase repetidamente várias vezes ao dia, e assim com a mente limpa e com a emissão de boas palavras ao universo, a pessoa receberá de volta muita luz e paz.
Não duvido, pois como já observava Hamlet a Horácio há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa vã filosofia. No entanto há de se fazer uma ressalva. Inúmeros livros e filmes vendem a ideia de que pensar de forma negativa é a coisa mais catastrófica para a vida de um ser humano. E aí reside o problema: a ditadura do pensamento positivo que nos diz que não podemos ter nenhum sentimento, pensamento ou fala negativa. E essa máxima pode se configurar em um problema muito grave: a negação dos nossos sentimentos ruins – inerentes a todo ser humano.
E quem aponta esse problema não sou eu, e sim o pai da psicanálise. Freud em “Cinco lições da Psicanálise” relata a estória de alguns pacientes que sofreram grandes problemas psíquicos ao negarem a dor que estavam sentindo. Um desses casos é de um paciente que cuidou um longo tempo de seu pai enfermo. O genitor que não resistiu a doença, faleceu. Após o ocorrido, o filho se fingia de forte e de feliz, afirmando que estava se sentindo bem para as pessoas a sua volta. Mas como o luto não é um sentimento fácil de superação e como no fundo o menino não estava bem, adquiriu, depois de um tempo, algumas neuroses por ter reprimindo esses sentimentos ruins.
Cotidianamente vivemos - nos mais diferentes níveis - fracassos, decepções, medos, inseguranças, perturbações psíquicas, raiva, estresses, mágoas, ressentimentos. Esses sentimentos recebem os mais variados nomes: “monstros interiores”, “problemas mal resolvidos”, “sentimentos ruins”. São sensações inerentes a nossa condição de seres humanos, e por isso que não devem ser negados, e sim superados, no mínimo controlados. Por isso que é importante que nos vasculhemos nos antros mais profundos e obscuros do nosso ser, seja com a ajuda de um especialista, na conversa íntima com alguém querido, através da escrita e até com o consumo de remédios naturais ou industriais caso seja necessário.
Nesse sentido, lembro o que Dr. Marco Aurélio Dias da Silva com o título “Quem ama não adoece: o papel das emoções na cura e na prevenção de doenças” nos fala sobre as emoções reprimidas. O médico ao analisar inúmeros pacientes relata o quanto algumas doenças físicas estavam diretamente ligadas as emoções mal resolvidas.
Logo, sabemos que não é simplesmente fingindo que tudo está bem conosco e com o universo que irá fazer que as coisas fiquem bem. Necessário se faz aceitar os sentimentos ruins em uma perspectiva de superação. E essa não é das tarefas mais fáceis, embora Roberto Carlos cante que “É preciso saber viver”. A pergunta que nos resta dizer é como saberemos viver? Talvez o pai da psicanálise com a famosa frase “é preciso amar para não adoecer” nos deu uma grande dica para isso.