A grande alma do século XX
No dia 2 de Outubro de 1869 a cidade de Porbandar, na Índia Ocidental, é iluminada: nasce Mohandas Karamchand Gandhi, no seio de uma família que pertencia à casta dos banya, uma subdivisão dos vaixás, terceira em ordem de importância. O termo Gandhi significa "comerciante de especiarias", referência a uma época em que seus parentes se dedicavam a essa atividade.
Como tradicionalmente ocorre na Índia, Gandhi se casa jovem, aos 13 anos, com Kasturbai. Ela será seu braço direito, uma verdadeira companheira e discípula.
foto de 1915, tirada na volta do casal para Índia. Ao completar 36 anos, Gandhi fez, em comum acordo com sua esposa, um voto de castidade. O casal inverteu, assim, um preceito do bramanismo, o qual diz que é necessário o casal se abster de atos sexuais na juventude e apenas realizá-los na idade adulta, quando o cidadão deve se dedicar à sua casa, ao governo e à família.
Fonte: ScoopWhoop
Em 1891 Mohandas se forma em Direito em Londres e volta pra Índia a fim de exercer a profissão de advogado. Logo após, em 1893, vai para África do Sul, também colônia britânica, a trabalho e tem, logo de cara, contato com a xenofobia e oracismo: é jogado de um trem após se negar a ir para terceira classe, mesmo tendo comprado a passagem para a primeira classe; o motivo: ele era indiano, e na África, para os racistas e xenofóbicos, não existiam advogados "de cor" (experiência muito bem retratada no filme "Gandhi", 1982).
Na verdade, os brancos não aceitavam nenhuma pessoa "de cor" em cargos altos, pois a mão-de-obra negra e estrangeira, sobretudo a indiana, era contratada para trabalhos de pouco prestígio, quase sempre para serviço doméstico ou trabalho em companhias de extrativismo.
Gandhi difundindo a Satyagraha na África do Sul
Fonte: triada
Mohandas passa a refletir sobre o panorama dos indianos e dos negros na África do Sul e inicia lutas contra as leis injustas da coroa britânica. Para Gandhi, sendo todos membros do mesmo império e, principalmente, filhos de Deus, a igualdade de direitos era essencial.
Em 1908 sua primeira campanha de Satyagraha se inicia, resultando na sua prisão e, em 1913, a África do Sul revoga parte de sua legislação discriminatória contra os indianos estabelecidos no país. Gandhi retorna à Índia em 1915.
Gandhi refletiu antes de deixar a África, fazendo um declaração sobre a não-violência: "É uma força que, se ficasse universal, revolucionaria ideias sociais e anularia despotismos e o militarismo".
No seu retorno, Gandhi começa a difundir seu movimento de não-agressão (Satyagraha) por toda a Índia e funda um ashram, que funciona como uma comunidade incumbida de promover a evolução espiritual de seus membros.
A reivindicações continuam e Mahatma se torna um ícone para o povo indiano. Em contrapartida, o governo britânico, altamente sádico e com membros sedentos por carnificina, promoveu o Massacre de Amritsar, em 10 de abril de 1919. Um episódio triste.
Em 1922, Mohandas é preso e condenado a 6 anos de reclusão. 8 anos depois ocorre um dos episódios mais importantes, a Marcha do Sal.
Gandhi guiando a multidão
Fonte: Curteahistória.com
A Marcha do Sal foi um movimento pacífico e de caráter extremamente fundamental. O sal, na época, era vendido pelos britânicos aos indianos, que eram proibidos de extraí-lo do Oceano Índico, o que fazia a ação adquirir proporções gigantescas, mesmo com a pequena atitude de apanhar sal do mar.
O movimento teve uma adesão surpreendente. Jawaharial Nehru, muito próximo de Mahatma Gandhi e líder do Partido do Congresso, disse: "vendo o entusiasmo das pessoas (...) ficamos um tanto desconcertados e envergonhados por ter questionado a eficiência do método quando Gandhi o propôs. E ficamos maravilhados com a habilidade do homem em impressionar a multidão e fazê-la atuar de maneira organizada".
Gandhi apanhando sal
Fonte: interfaith
O ato despertou um ira dos britânicos, os quais responderam com muita violência.
"A Europa perdeu completamente seu prestígio moral na Ásia. [Ela] não é mais a campeã mundial das negociações justas nem o expoente dos princípios elevados, mas a defensora da supremacia da raça ocidental e uma exploradora dos que não são europeus." declarou Rabindranath Tagore, um escritor indiano.
Gandhi fez greve de fome em favor dos "intocáveis", membros de uma casta extremamente discriminada na Índia, os párias. Também fez greve de fome em favor dos muçulmanos, a fim de angariar fundos para o Paquistão (este que se tornaria um estado de maioria islâmica, sendo uma cisão da índia, derivado da relação díspar entre muçulmanos e hindus, que acarretou em combates sangrentos, entristecendo muito Gandhi).
Mohandas se dizia Hindu, Cristão, Muçulmano e qualquer religião que fosse, pois, para ele, o importante era que Deus fosse lembrado. Gandhi queria um Índia sincrética, porém soube perceber que nem todos eram bons como ele.
Mesmo assim, em 15 de agosto de de 1947, a Índia se tornou independente.
Foto tirada por Henri Cartier-Bresson. Uma das últimas aparições de Bapu entre seu jejum e sua morte.
Fonte: Magnum Photos
Mahatma fez jejum em favor do Paquistão, declarando "proteger a vida, os bens e a religião dos muçulmanos". Fundamentalistas hindus já vinham considerando Mohandas como traidor e entenderam esse ato como a gota d'água.
Nesse sentido, no dia 30 de Janeiro de 1948, um membro da organização hindu Rashtriya Swayamevak Sangh adiantou-se em meio a uma multidão que aguardava Gandhi para suas orações, sacou uma arma e atirou várias vezes.
Bapu, ao ser atingindo, gemeu "Hey Rama", fazendo um tributo a Deus. Encolheu-se no chão, as roupas simples que ele mesmo tecia... tingidas de sangue. Fechou os olhos.
Foto de Henri Cartier-Bresson. Seguidor de Gandhi assiste a pira em que foi alocado o corpo de Bapu. Queimou por 14 horas.
Fonte: Magnum Photos
Mohandas foi um ser espetacular e isso é inegável. Mostrou para 350 milhões de indianos que eles não deviam ser submissos a 200 mil britânicos. Gandhi influenciou Luther King, Mandela e todas as gerações posteriores, com seus princípio de paz, amor e ordem.
Foto de Henri Cartier-Bresson. Milhões de pessoal foram agradecer e se despedir do mestre.
Fonte: Magnum Photos
Não é ousado dizer que Gandhi foi a figura mais importante do século XX.
"Minha missão não se esgota na fraternidade entre os indianos. A minha missão não está simplesmente na libertação da Índia, embora ela absorva, em prática, toda a minha vida e todo o meu tempo. Por meio da libertação da Índia espero atuar e desenvolver a missão da fraternidade dos homens".
"A desobediência civil é um direito intrínseco do cidadão. Não ouse renunciar, se não quer deixar de ser homem. A desobediência civil nunca é seguida pela anarquia. Só a desobediência criminal com a força. Reprimir a desobediência civil é encarcerar a consciência".
"Não quero que minha casa seja cercada por muros de todos os lados e que as minhas janelas estejam tapadas. Quero que as culturas de todos os povos andem pela minha casa com o máximo de liberdade possível".
O mundo reverencia Mahatma Gandhi.
*textos retirados de "Gandhi", título da coleção "Personagens que Marcaram Época", da Biblioteca Época, 2006.