Bloco do eu sozinho
"Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria nasci brasileiro
Eu sou do Rio de Janeiro."
"Partido Alto", de Chico Buarque, é a música que melhor me define. Esta carioca que vos escreve, que não é lá muito fã de praia com um sol escaldante e deste calor que nos acompanha durante 300 dias por ano à sombra. Para completar, ainda tem o Carnaval.
O Carnaval pra mim sempre foi como aquele parente distante de quem não tinha muitas notícias, e que só veria se fosse visitá-lo em sua própria casa, no caso o Sambódromo ou em bailes fechados. Mas de uns dez anos para cá, esse parente se mudou para a porta de minha casa. Os blocos invadem as ruas onde circulo, os foliões lotam o metrô que pego entre uma ida e outra ao cinema, e já não dá mais para ignorá-lo.
Enquanto escrevo este arremedo de texto, às 8 horas da manhã de uma segunda de Carnaval, escuto um bloco passar ao longe e o coro da multidão:
"Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
Não posso negar"
Como não deixar passar? A cantoria sobe a janela do sexto do andar do meu apartamento. Só mesmo o Carnaval para conseguir o milagre de tirar um carioca cedo da cama.
Há exatamente 50 anos, Dorival Caymmi compôs "Samba de Minha Terra":
"Quem não gosta de samba
Bom sujeito não é
É ruim da cabeça
Ou doente do pé."
Como escreveu Moacyr Scliar, Caymmi, com esta letra, dividiu a humanidade, ou, pelo menos, os brasileiros, em dois grupos: os que gostam e os que não gostam de samba. Não é para tanto. Eu chego até a curtir as fotos dos meus amigos animados pelo Instagram.
Admiro a alegria contagiante, aquela vontade de partilhar todo o calor humano daqueles corpos suados, cansados, felizes, nos 45 graus do Rio de Janeiro. Mas parafraseando uma marchinha conhecida, vou deixar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval. Felizmente, para aqueles como eu, todo Carnaval tem seu... Bom, você já sabe. ;-)