Bartleby e o Operário em Construção
O princípio da negatividade e da insubordinação são impulsos presentes em cada um de nós. Algumas pessoas desenvolvem comportamentos totalmente agressivos frente à força da recusa, da tendência à obediência. Outras conservam durante muito tempo - às vezes a vida toda - certa resistência passiva.
Um clássico e plausível exemplo que evidencia essa partícula de resistência e negação é o Operário em Construção, de Vinícius de Moraes. Operário comum, desses pequenos grandes homens, sem aparente poder de transformação ou qualquer particularidade desafiadora sob o antissistema, parte de uma situação de completa alienação:
"Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão"
E vai, ao longo do poema, atentando para a importância que tem:
"Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!"
Após esse processo, outra face é revelada, a da resistência, e ele passa a influenciar todos ao redor:
"E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava"
Dessa forma, o laborioso cria sua plataforma, seu passaporte para o mundo. É importante observarmos que a primeira etapa do período de transformação é, justamente, um “não”. Tudo começa com a quebra da relutância aos próprios desejos, com o rompimento de velhos paradigmas, com um grande e ruidoso silêncio no coração. E o Operário em Construção torna-se, por fim, o Operário Construído.
"E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção
[...]
E o operário disse: não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução"
Aparentemente sem ligação alguma, há em Bartleby, o escrivão; personagem melancólico “levemente arrumado, lamentavelmente respeitável”, de Herman Melville, a mínima e escandalosa negatividade, também presente em O Operário em Construção. Completando a forma literária marcante e radical da narrativa, Bartleby sonega, em quase sua totalidade, o desempenho verbal e sua fala se resume basicamente em “Acho melhor não” (i would prefer not to).
A repetição exacerbada dessa frase-bomba, aliada à personalidade insólita desse homem de olhar vazio e modos regrados, marca o desenrolar dos acontecimentos e nos coloca diante de uma situação inelutável. A recusa de Bartleby se torna fatal e definitiva, pois “nada irrita mais uma pessoa honesta do que a resistência passiva”. Ao longo do livro, os outros personagens – e acredite, nós, os leitores – são contagiados pela imobilidade desse jovem inerte e se apropriam da célebre frase carregada de literariedade.
O princípio da recusa é evidente no escrivão por não obedecer às ordens. Mas também é encontrado no chefe, por aceitar o comportamento passivo-agressivo do funcionário, e se recusar, subconscientemente, involuntariamente, a tomar atitude alguma diante da situação. E é claro, em nós, por não conseguirmos interromper a leitura.
De acordo com Jorge Luís Borges, “Bartleby define um gênero que por volta de 1919 foi reinventado e aprofundado por Franz Kafka: o das fantasias da conduta e do sentimento”. E Modesto Carone completa, “Melville foi um escritor de primeira e Bartleby é uma de suas mais densas e fascinantes obras-primas”.
Sem dúvida, esse é um daqueles livros que você lê e faz todos ao redor ler também. A perplexidade diante da movimentação estática e epidêmica de Bartleby é, por vezes, inefável. Descrevê-la? Acho melhor não...