Luis Humberto: o valor das fotografias de família
Nena – Brasília, 1977. (Luis Humberto)
Mãe, pai, avó, tia, gato, cachorro. Difícil enquadrar todos e mais ainda, agradar. É criança que não gosta de foto, e os mais velhos tampouco. Prima que não está satisfeita com a aparência e resmunga na hora de tirar foto. Mas no fim, o retrato é capturado e o seu propósito de fixar um dado período para posteriormente rememorá-lo, alcançado.
Se bem observado nos álbuns de família há espaço apenas para os momentos comemorativos. Isto porque disseminou-se o costume de somente registrar ocasiões marcantes como viagens, aniversários, formaturas, feriados. E apesar de se viver em uma época do registro instantâneo, popularizado pelo Instagram (aplicativo de celular em que o usuário tira fotos, edita-as e as compartilha em redes sociais), não se difundiu o hábito de fotografar as banalidades do dia-a-dia.
Ao se refletir sobre o álbum de família, verifica-se que ele é por essência aquilo que nos revela. É por meio das fotos que se busca uma identificação com aquele "eu" de 3 anos que já não se é mais. Elas também ajudam na construção da identidade, na criação de uma história progressiva e de uma memória imagética próprias. Portanto, depreciá-las seria como não reconhecer estes valores determinantes.
Eis que surge o fotógrafo Luis Humberto Miranda Martins, que possui uma carreira no fotojornalismo brasileiro tão importante no registro do poder despótico da ditadura militar e da política. Além de ter retratado a cidade de Brasília, com sua arquitetura e seus habitantes. Formado em arquitetura, ele descobriu a fotografia por causa do nascimento de seu primogênito, em 1962. Sem pretensão, sua vontade era como a de tantos outros pais, a de registrar o crescimento do filho para recordação.
Brasília, s/d. (Luis Humberto)
Samantha - Brasília, 1977. (Luis Humberto)
Esta primeira fase do trabalho de Luis Humberto, denominada "Tempo Veloz" é tão pertinente quanto todos seus retratos caricatos do meio político. De claro caráter autobiográfico, ao retratar o seu universo pessoal, ele explorou o gênero das fotos familiares de forma nada convencional. Suas fotos servem de exemplo para mostrar como elas também podem estar carregadas de um tom intimista, mais ao mesmo tempo, espontâneo e poético.
Rodrigo – Brasília, 1990. (Luis Humberto)
Seu trabalho convida a uma desconstrução do olhar. Pelo hábito de se fotografar e de ser fotografado de forma posada e rígida, acabou-se perdendo toda a beleza advinda da espontaneidade. Já as suas imagens estão repletas de descontração, bom-humor e lirismo. Outros elementos não usuais presentes em sua obra, como o não enquadramento e o desfocado, mostram que podem falar muito de nossas famílias, cotidianos e nós próprios.
Rodrigo – Brasília, 1992. (Luis Humberto)
Mesmo a ausência de pessoas em seus retratos também atestam que o espaço doméstico fala mais sobre quem vive nesse cenário. Em seu ensaio intitulado "Paisagem Doméstica", os objetos do ambiente do lar, como lençóis desfeitos e gavetas entreabertas revelam uma onipresença humana latente. Mostrando a intimidade do cotidiano familiar, por meio dos indícios deixados por seus moradores.
Ensaio Paisagem Doméstica, 1974-1982. (Luis Humebrto)
Ensaio Paisagem Doméstica, 1974-1982. (Luis Humberto)
Tampouco em termos técnicos, Luis Humberto deixa a desejar. A gradação de cinzas, o enquadramento e o foco, comprovam a qualidade do fotógrafo e seu compromisso a propor uma reeducação do olhar, mesmo que sem intenção. Graça que sua fotografia familiar continua incessante, mas agora são as novas gerações, isto é, os netos quem são seus personagens.