O que te cura de ti mesmo?
Não tem jeito! Só valorizamos certas coisas quando as perdemos. Diante do coreto abandonado, observando os transeuntes na praça da cidade em que nasci, me pergunto onde foi parar a arte daqui? Museu? Não tem. Sala de cinema com exibição de filmes europeus? Não tem. Teatros alternativos? Não tem. Salas de concertos? Não tem. Programação gratuita de shows e eventos literários? Não tem. Livrarias (fora dos shoppings) com cafés acolhedores? Não tem. E estamos falando de Campinas, terra do maestro Carlos Gomes, uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes, que abriga duas das maiores universidades do Brasil, a UNICAMP e a PUCCAMP, além de ser uma das maiores economias do país.
Nos arredores dos campus universitários vez ou outra acontecem saraus, pequenos shows e apresentações de peças. Porém é preciso conhecer quem conhece “o esquema” para participar. No caderno de cultura do maior jornal da cidade, o Correio Popular, consta apenas: notícias sobre TV, coluna social, horóscopo, crônicas, roteiro de filmes blockbusters em cartaz e programação de bares. Após duas semanas na minha terra, me dou conta de que não sou apenas amante da arte e da cultura: sou adicta. Irritação. Ansiedade. Sono conturbado. Ideias obsessivas e negativas. Impaciência. Angústia. Dor de cabeça. A ausência completa e absoluta da arte, do acesso à cultura, quase me leva a nocaute. Um desconforto no peito, um tédio imenso, uma desidratação constante, uma falta de rumo ou sentido; uma insatisfação desmedida e sem foco. Uma quase depressão. No batidão do dia a dia no Rio de Janeiro, entrando e saindo do CCBB, do Theatro Municipal, do Circo Voador, do Cine Jóia como quem vai à padaria, nunca tinha parado para pensar no que essas escolhas significavam de fato para mim. A rotina me roubou a importância das coisas. Mas aqui, olhando o coreto vazio, repleto de folhas mortas, coreto que outrora deve ter recebido muitas bandinhas e embalado domingos e beijos de muitos casais, compreendo o que a arte faz por mim: ela me hidrata. A arte me hidrata e mantém minimamente minha sanidade. Quando o mundo vira ao avesso ou fica cinza demais; quando o tempo fecha e as janelas da alma emperram; quando me tranco em pensamentos egoístas e me aprisiono em verdades insanamente absolutas, é para lá, para a arte, que eu corro para me curar. Porque, entre outras coisas, a arte me faz duvidar - de mim, da vida, do que vejo e do que ainda nem conheço. E somente quando duvido exerço plenamente minha existência. Diante da realidade cultural dessa pequena grande cidade eu pergunto: para onde deve marchar, José, quem vive em Campinas e tem sede, porém não tem fonte para bebericar? Para onde?
E você, que lê esse texto, sabe como (e onde) se curar de si mesmo e das verdades inúteis que carrega na cachola?
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(imagem: google)