Você não é louca, ele é
“Você é louca!”
Quantas vezes você já ouviu isso de um parceiro a respeito de si mesma ou de uma ex? Toda vez que ouço um homem dizer que outra mulher é louca, já sei que ele falará o mesmo a meu respeito em pouco tempo.
Infelizmente, a violência contra a mulher é uma das violações de direitos humanos mais praticadas e menos reconhecidas no mundo. Capaz de atravessar os tempos, com características muito semelhantes em várias culturas e em locais distintos, este fenômeno é permeado pela invisibilidade, por ocorrer - principalmente - no espaço privado onde ainda impera, em muitas situações, o silêncio da vítima.
Além das consequências não fatais da violência de gênero, que se apresentam sob a forma de lesões físicas, transtornos mentais, doenças crônicas ou de efeito retardado, temos também as consequências fatais que são representadas pelos suicídios e homicídios (WORLD REPORT ON VIOLENCE AND HEALTH, 2002). Neste ponto, você deve estar se perguntando o que o fato de ser considerada “louca” pelo parceiro tem a ver com violência contra mulher.
Eu respondo.
TUDO.
Pois bem, talvez você não saiba, mas existem várias formas de violência contra mulher, uma delas é psicológica e, dentro deste campo, existe uma série de ramificações. Aliás, quando o homem quer te convencer que a loucura está em você (e não nele), chamamos de “gaslighting”. “Gaslighting” é uma palavra inglesa e parece um termo pouco conhecido (tem raiz em 1944, do filme “Gas Light”, em que um marido busca deixar sua mulher louca diminuindo todas as luzes da sua casa e depois negando que a luz tenha mudado para que a mesma acredite estar demente). Apesar disso, tenho certeza absoluta que você - infelizmente - está muito mais apropriada dele do que imagina. De modo geral ele se refere à naturalização da mulher como alguém descontrolada emocionalmente. Na prática, para saber se você já viveu essa situação de violência, basta buscar em sua memória frases como:
• Você está vendo coisa onde não existe.
• Isso nunca aconteceu.
• É coisa da sua cabeça.
• Você está exagerando!
• Para de ser dramática.
• Eu estava apenas brincando.
• Você não tem um senso de humor?
• Não foi isso que disse.
• Você sempre entende errado.
• De onde tirou isso?
• Não viaja.
Homens de todo mundo, embasados na cultura machista que vivemos e que os mantem privilegiados nos relacionamentos, tendem a praticar o abuso emocional com naturalidade e ainda fazer com que nós, mulheres, nos sintamos mal e no dever de nos desculpar por sermos “loucas”.
Você desconfia de uma traição - uma mentira - e ele - mais rápido do que imagina - te convence que é neurótica e possui um excesso de ciúmes intolerável.
Ele faz uma brincadeira grosseira, que te humilha ou ofende e, ao questionar, escuta que é muito sensível e não sabe aceitar brincadeiras.
Você se entrega a possibilidade de se apaixonar, depois de trocarem infinitos gestos de carinho, e ele fala que você confundiu tudo, que está exigindo demais.
Assim, eles podem - dia após dia - nos violentar a vontade, destruir nossa autoestima e ainda nos convencer de que o problema é nosso. Fazer-nos acreditar que estamos loucas, sedentas por um perdão por essa nossa natureza insana e incontrolável, e a mercê da solidariedade masculina.
Desde que passei a estudar sobre o assunto percebo como a violência é maior e mais complexa do que se imagina. Infelizmente, não existe uma fórmula rápida e eficaz de nos afastarmos destes tipos de abuso. No entanto, se você perceber que anda duvidando de si mesma constantemente, pedindo desculpas pelo parceiro a todo o momento e ouvindo “Você é louca!”...
REAJA.
Você não é louca, ele que é!
*Veja o filme "A garota do Trem" e entenda porque a escolha da imagem.
REFERÊNCIAS
WORLD REPORT ON VIOLENCE AND HEALTH. Relatório Mundial sobre violência e saúde. por Etienne Krug EG. Genebra, 2002.