o garoto de botas
na corrida do ouro
da poesia,
supostamente
vinte e dois garimpeiros dentre os milhares de outros tantos
garimpeiros dos séculos do papel
perderam suas botas no meio do caminho.
um garoto, que nem de ouro nem de poesia tinha ouvido falar,
passou a recolher, atrás de cada passo de garimpeiro,
as botas que pela estrada ficavam.
e ele conseguiu, ao final, contar exatamente quarenta e quatro
botas de garimpeiro. vinte e duas de cada pé.
carregava todas
amarradas umas às outras
nos ombros duros de carregar botas dos outros.
quando encontrava uma bota nova, desamarrava todas as outras,
voltando a amarrar tudo e todas - com a nova - logo depois.
"pra cada bota nova, todos novos nós",
dizia à sua sombra - companheira infiel de viagem.
e nela seguia pelas pegadas fracas dos garimpeiros da poesia,
mas nem de poesia o garoto tinha ouvido falar, ele era só bota. só bota.
com as quarenta e quatro colecionadas, sentindo que já tinha muito peso
sobre os ombros miúdos de recém-colecionador-de-botas,
parou. já não era um vício. deixou de ser, na verdade,
quando passou a pesar mais que ele.
mas não foi fácil.
depois de desamarrar e amarrar todas as botas,
sem nenhuma bota nova dessa vez,
escolheu a árvore menos verde que pôde encontrar por ali
e enterrou as quarenta e quatro botas ao seu pé.
com o rosto encharcado,
sabe se lá se era da chuva que inundava o funeral
ou se era origem do próprio rosto,
o garoto retomou viagem.
de cabeça baixa e olhos no chão,
não tardou em encontrar, a uns cinquenta metros da
árvore menos verde que havia por ali,
um novo par de botas - agora juntas, solidárias,
reclamando um novo ombro colecionador.
o garoto não pensou duas vezes.
calçou as botas
e seguiu viagem.