Seis meses de Venezuela
Seis meses. Seis meses sendo o outro, o alheio, o estrangeiro: o brasileiro. Seis meses de outra língua, de outra cultura, de outro culto, de outro mundo. Seis meses ouvindo rumores sobre presidentes mortos, sobre presidentes burros, sobre presidentes e presidentas que ainda vivem - e ainda vivem muito bem. Seis meses escrevendo. Seis meses escrevendo cada vez menos. E durante seis meses, escrevendo (cada vez menos) a saudade. E todos esses meses e meses e meses e meses de contagem regressiva. E eu cada vez mais agressivo, triste, fodido. Cada vez menos brasileiro, menos venezuelano - menos qualquer coisa. Isso até olhar pra trás e ver que já se foram seis meses. Seis meses de um sonho meio torto, mas ainda um sonho. Seis meses de novas, polidas e bem cultivadas amizades. Seis meses de mulheres, todas ótimas. Seis meses de crianças, todas arteiras e bem elétricas. Seis meses de novos e desconhecidos meses que se sucediam e ainda se sucedem - agradecidos por sucederem tão rapidamente uns aos outros. Seis meses de descobertas interessantíssimas, como o segurança chamado Hitler, o fantasma-embaixador da casa branca, as busetas assassinas que matam dois, três, quatro pelas ruas caraquenhas - todas descobertas vividas durante esses primeiros e únicos seis meses da minha vida do outro lado da América. E desse outro lado, do alto dos meus seis meses desse outro lado, ainda vejo dentro de mim crescerem mais outros seis - senão mais - meses e meses e meses de exílio intencional na capital venezuelana. E que venham mais e mais meses. Que passem, cresçam e se tornem, enfim, ao final de dez, onze, doze de seus próprios meses, capazes de caminhar sozinhos de volta pra terra natal.