Sobre "Tertulia: charlando entre café y poesía" por Jorge Hu
O que acontece quando olhamos para nós: essa é a inquietude do projeto poético de Jorge Hu Por Sara Timóteo
Trata-se de uma obra que nasce da inquietude da voz lírica em virtude do abismo no qual nos proporciona um primeiro vislumbre de um labirinto sem o fio de Ariadne para o conduzir para longe do alcance do Minotauro. Esse abismo, sabemo-lo no ato de ler estas páginas, surge a partir do momento em que o ser amado parte de uma vida comum para outra vida, cujos contornos, por vezes, se apresentam, desconexos, por entre a musicalidade das palavras de Jorge Hu.
Todo o exercício literário de Jorge Hu se centra, pois, na arte da sobrevivência em relação à impossibilidade desse amor.
Fulgor estético, força intelectual e sabedoria, as três premissas enunciadas por Harold Bloom como fulcrais para a relevância de uma obra, estão presentes nesta “Tertúlia” em que, mais que obedecer às modas autofágicas de contemplação e concomitância de sentimentos, o autor desbrava as camadas mais íntimas do seu próprio ser com desencanto e assombro, como sucede no poema “Soy un lobo…”.
Beleza, verdade e inteligência são as três musas que habitam este livro. O projeto poético emana a partir da autoconsciência clara da fetidez da obsessão e da insignificância da mesma em face da mortalidade. Ao contrário da literatura de cariz sapiencial, a palavra de Jorge Hu nasce de um momento de crise, altura em que qualquer possível sapiência se esvai perante as circunstâncias. É por isso que, ao longo destas páginas, não é colmatado o nosso desejo de redenção. A sabedoria absorvida converte-se em sabedoria destruidora, suspensa entre o sarcasmo e o drama.
A amada ausente está para a voz poética como a baleia branca tão omnipresente quanto ausente está para Ahab (Melville). É o processo de busca a espoletar a consciência de si, e não o contrário. Jorge Hu traz-nos aquilo que está tão fora de moda, tal como o Job do Javista fez: despojamento.
Com recurso a uma linguagem simples, dotada do adorno justo para encetar um diálogo com os ditames daquela que está ausente, o livro assume um caráter fragmentário, embora não aforístico. O eu poético reconhece a tirania sacralizada do amor sobre a busca desenfreada pelo sucesso, seja o que for que essa busca signifique: “Llegará la paz y el honor de cenar en familia,/sin extrañar la maldita prisa de correr en círculos absurdos.” A consciência de que a morte revela a pequenez do homem, tal como sucede em relação a este amor um dia possível, perpassa cada um dos momentos de leitura.
Desejamos que, por um instante, a amada regresse, conciliadora, ao mundo frenético de onde o eu poético tenta erguer-se, informe. Queremos que esse eu poético possa, enfim, projetar a sua voz, tal como as esculturas de Miguel Ângelo esbracejaram e se revelaram sob o mármore a partir do qual ele as esculpia. Amar sem esperança de ser correspondido – assim amamos o divino? Encontramos ecos do amor sagrado nesta “Tertúlia” que não ecoa muitas vozes, antes uma, a de um coração estilhaçado que distorce toda a posterior perceção da realidade.
Toda a inquirição de Jorge Hu se torna pessoal, marco da consciência de si que perfaz o cunho da fronteira entre o ficcional e o confessional.
Quantos de nós albergamos amores condenados, e qual o preço que pagámos por tais devaneios? Essa é a questão que nutrirá a nossa renúncia ao cinismo tão em voga nesta era, permitindo-nos partir em direção do território inconfessável (ou literário) que habita cada um de nós.