20 filmes de formação
Metropolis (1927 – Fritz Lang)
Argumento, roteiro, cinematografia, cenário, mística, mitologia… Tudo em estado de arte em um filme que integra política, ironia e romantismo. O melhor “desenho de produção” de todos os tempos. Vi adulta em casa.
Ninotchka (1939 – Ernst Lusbitch)
A melhor, mais divertida e mais inteligente propaganda anti-stalinista (e anti totalitária) já feita no cinema. Lusbitch não fez apenas uma comédia de charme, com classe, humor fino e timming perfeito entre GG e Melvyn Douglas. O filme é um passa-fora na "caretice" e uma celebração ao hedonismo e a uma deliciosa amoralidade em um período em que os EUA mal recuperados da grande depressão viam a nuvem fascista assomar o horizonte… Ah! E Garbo rindo! Vi adolescente na TV.
O Morro dos Ventos Uivantes (1939 – Willian Wyler)
Minha história predileta contada de maneira quase expressionista pelo Wyler em PB. E o melhor Heatcliff de todas as versões passadas e futuras: Lawrence Olivier. Vi com cerca de nove anos em um cinema na periferia de Paris com minha avó paterna, Tereza.
O Grande Ditador (1940 – Charles Chaplin)
Meu filme predileto de Chaplin realizado no ano em que eclodiu a II Grande Guerra. Enquanto boa parte do mundo não tinha a menor ideia do que significava o hitlerismo, ele dissecou freudianamente o Mal e o ofereceu como riso acompanhado de uma mal-disfarçada nota de amargor ao fundo. (Ao contrário da imensa maioria,que gosta da bundinha no globo, minha cena predileta no filme – e que costumo recordar sempre – é a sequencia do barbeiro ao som da Dança Húngara). Vi adolescente na TV.
Brinquedo Proibido ( 1952 – Rene Clément)
Foi um de meus filmes de formação. Me causou uma impressão muito forte pela intensidade do amor das crianças em meio ao cenário de ameaça constante e indefinida. O tema da segunda grande guerra nunca me atraiu, quando menina achava os filmes chatos, com uma leitura excessivamente "masculina". Talvez por mostrar a tragédia da guerra pelo viés do desamparo e da ressignificação da morte por duas criaturas inocentes ele mexeu tanto comigo. Vi na infância na TV
Terra em Transe (1967 – Glauber Rocha)
O único filme que provocou em mim um estado semelhante ao de quando delirei por conta de uma febre de 42 graus. Vi adulta na faculdade.
Os Deuses Malditos (1969 – Luchino Visconti)
Fiquei muito impressionada com o clima do filme e com a forma como mostra a fragilidade da casca entre a civilidade e a barbárie. Parte da trilogia alemã do Visconti, o filme transmite a mesma sensação dos outros dois (Morte em Veneza e Ludwig): sufocamento, inexorabilidade, desmoronamento… Acho que se alguém quer ter uma ideia condensada do pathos do romantismo alemão tardio é só ver o filme. E o elenco com Dirk Bogarde, Helmut Berger, Ingrid Thulin e a brasileira Florinda Bolkan…
Vi Cabaret na França, na TV, quando tinha entre nove e dez anos. A ideia de permanecer decente e fiel a si próprio em momentos extremos e a de manter o savoir faire em meio ao sofrimento e à ameaça são, para mim, a essência do filme, que é baseado na novela Goodbye to Berlin de Christopher Isherwood. Gosto imensamente de Bob Fosse como diretor e da Liza, claro.
O Poderoso Chefão (1972 – Francis Ford Coppola)
Considero a sequência final em que Michael Corleone batiza o sobrinho e na qual para cada abjuração do Mal repetida corresponde uma morte ordenada por ele a melhor que já vi. A cena que mais gosto, e que considero uma coda desta sequência, é a final em que Kay sai do escritório de Michael e vê o guarda-costas fechar a porta enquanto vários homens fazem fila para beijar a mão de seu marido. Não vou chover no molhado falando da trilha, fotografia, elenco etc.
O Poderoso Chefão II (1974 – Francis Ford Coppola)
Eu não gosto do Chefão II porque mostra a juventude de Vito Corleone encarnada em Bod de Niro, eu gosto do II porque narra a capitulação de Michael à sua sombra. A reconstituição de época feita para a década de 50 é uma obra de arte á parte, assim como a atuação de Lee Strasberg. Vi os dois adulta em vídeo.
O Franco Atirador (1978 – Michael Cimino)
Depois do Poderoso Chefão I e II este é o meu filme preferido dos anos 70, que é a década onde se concentram meus diretores favoritos. O filme é parte da catarse norte-americana com o Vietnam, que produziu obras primas como Apocalipse Now de Copolla e Full Metal Jacket do Kubrick. Eu não sei explicar por que gosto tanto dele. Talvez seja a mistura do elenco, roteiro e direção com uma intensidade e riqueza psicológica que deixam Taxi Driver no chinelo. Ah e tem o Walken, tão delicado e tão enlouquecido…Vi adolescente no cinema numa “sessão de arte”.
Blade Runner (1982 – Ridley Scott)
Assisti em um São João com a turma da faculdade nos idos de 1987 quando já havia se tornado objeto de culto. Um paiol de fogos explodiu a um quarteirão do cinema e o que se seguiu foi uma cena de fuga do Godzilla, com direito a uma descida de escada do mezanino com o derrière. A vontade de terminar de ver foi tão grande que voltei. Não dá para falar sobre o filme. É muita coisa, mas vou fazer uma observação. Ele ofereceu plasticidade a uma certeza que carrego desde menina: a de que qualquer coisa no universo pode possuir alma.
O mundo não é o que desejamos dele, o poder não perdura e a mão do destino não escolhe lado. A recriação do Rei Lear de Shakespeare com o pathos japonês e o virtuosismo cromático e plástico do diretor em estado de graça fazem de Ran meu filme predileto de Kurosawa; minha segunda escolha é Kagemusha. Infelizmente assisti em vídeo. Dersu Uzala, que vi menina no Rio com uma tia querida que me ofereceu como opção O Enigma de Kaspar Hauser, é do coração
Asas do Desejo (1987 – Win Wenders)
A forma expressionista e lírica como Wenders conta a melancólica, mas cheia de esperança, relação muda entre anjos e homens nos faz ter mais fé na humanidade e na ideia de que alguém no céu nos protege. Outra coisa de que gosto muito é o mood a meio caminho entre o peso da herança européia, e alemã em particular, e o bafejo renovador da “pós-modernidade” – termo que, na época da queda do muro, ainda fazia sentido. VHS em casa amamentando meu filho.
Crimes e Pecados (1989 – Woody Allen)
Gosto de 95% da filmografia de Allen, a exceção são seus filmes “bergmanianos”. A grande dúvida para mim foi escolher entre Crimes e Pecados e Match Point. Este último, dos anos 2000, considero uma obra prima subestimada, um dos melhores estudos psicológicos do cinema e um filme mais hitchcockiano que muitos originais de Hitchcock. Mas a história da derrocada moral do respeitado médico judeu Judah Rosenthal, interpretado por Martin Landau, é um compêndio de psiquiatria das mazelas de uma classe que padece de auto enfeitiçamento e estrabismo ético. Vi no cinema, como parte do ritual anual de assistir o último filme do Woody.
O Poderoso Chefão III (1990 – Francis Ford Coppola)
Filme mais “grego” da trilogia, o Chefão III mostra Michael tentando passar a perna no Diabo e sendo obviamente punido à altura. Coppola consegue manter o que para mim é o grande tema de fundo de sua obra: a transposição do mito de Fausto no qual o papel de Mefistófeles é dividido entre o capitalismo liberal americano e o sombrio instinto de sobrevivência dos próprios personagens. O grito de Pacino nas escadarias da Ópera siciliana e a cena final ao som do Intermezzo da Cavaleria Rusticana (mesma música que Scorcese coloca nos créditos finais de Touro Indomável,aliás) são soberbas. Aguardado e visto no cinema.
O Pagamento Final (1993 – Brian De Palma)
A história de Carlito Brigante, um imigrante cubano que tenta desesperadamente andar em linha reta enquanto o destino e o azar lhe dão pancadas de todo lado, é um dos filmes mais dolorosamente tristes que já vi. Pacino empresta à desgraça e trivialidade do personagem uma grandeza que faz a compaixão transbordar da tela. Tudo contado com a crueza objetiva e sem gordura do De Palma. Cinema, VHS e DVD, Blu-ray.
A Fraternidade é Vermelha (1994 – Krzysztof Kieslowsky)
Um novela sutil, despretensiosa e cheia de amor sobre os vãos insuspeitos que se escondem sob o manto da incomunicabilidade. É um filme de educação moral sobre nossa eterna fome de afeto genuíno. Trintignant rabugento e carente e o olhar cheio de espanto pelo mundo de Irene Jacob montam cenas repletas de pausas e reticências, como a dizer que a vida é uma paisagem que não pode ser descrita. Eu tinha a fita.
Tudo sobre Minha Mãe (1999 – Pedro Almodovar)
Almodovar é o cineasta que mais ama o humano. Profundamente “Nordestino” em sua mistura naturalizada de morte, vida, sexo e religião, sua curiosidade e simpatia pelo tortos e desesperançados se iguala à sua capacidade mágica de suspender a capa protetora da normalidade e ampliar a loucura que habita ao nosso lado. Tudo sobre Minha Mãe é, para mim, o melhor filme dos últimos 30 anos. Carne Trêmula e A Flor do Meu Segredo são meus outros queridos da filmografia impecável dele. Visto e muito chorado no cinema.
As Invasões Bárbaras (2003 – Denys Arcand)
O drama de Remy, um intelectual de esquerda auto suficiente e hedonista que padece de uma doença terminal, e os esforços de seus familiares e amigos para lhe proporcionar uma morte feliz é o mote de um filme irônico no sentido mais filosófico da palavra. A troca de sinais entre os conceitos engessados de “bem” e “mal”, a secularização galopante de valores e a ressaca dos ideais no final de século são apenas alguns dos subtextos dessa obra que nos dá a certeza de que se o fim é o mesmo para os ignorantes e para os ilustrados, pelo menos para os últimos ele pode ser acompanhado de humor e inteligência. No cinema, quando chegou por aqui.