Luto pelo falecimento de um gênio
Ariano Suassuna levou ao extremo aquela máxima "quer ser universal? Seja profundamente regional!"
E foi. Poucos souberam, como ele, traduzir a imagem do matuto, do sertanejo, para olhos não acostumados às delicadezas e agruras de quem achata a cabeça carregando latas d`água na seca do sertão.
Ariano foi Cervantes à brasileira. João Grilo, em sua luta contra moinhos de vento, absolutamente reais, como o eram também os de La Mancha, é o retrato fidedigno e fantástico do malandro carioca, e do cabra liso do sertão. Uma espécie de Garrincha da vida, cheio de ginga e cortando sempre pro mesmo lado. Mas não há como pará-lo, a não ser pela violência ou pela ignorância. Tal qual Garrincha, João Grilo segue driblando a vida pelo meio do mundo.
Certa vez assisti uma palestra dele em que contava da situação em que um editor iria traduzir o Auto da Compadecida para francês e alemão. Contou ele que o cabra chegou e disse:
- Mas seu Ariano, como danado eu vou traduzir João Grilo e Chicó para as línguas europeias?
- E eu sei lá! - disse Ariano e emendou - agora se eu colocasse Pierre e Matheus em dois sertanejos paraibanos era a gota, não era??
- Pois eu só coloco nome em personagem que possa ser traduzido! -replicou o editor.
-Pois você que se lasque! -disse Ariano.
Luto pela morte de um gênio. O Brasil, e o mundo, ficam mais pobres. Se até a Compadecida chora a morte dele, choremos um pouquinho também!