Que saudade do silêncio
Você tem visto o silêncio por aí? Faz tempo que não encontro ele. Se você o ver, por favor, diga que mandei um oi e que estou com saudades. Ele faz muita falta.
Neste momento, há seis barulhos ao meu redor: os carros na rua movimentada onde moro, o elevador e suas engrenagens, o vizinho do lado usando o liquidificador, a vizinha de cima andando de um lado para o outro, o som constante da minha geladeira e o reator do restaurante ao lado. Desliguei a tevê, porque estava buscando o máximo de silêncio possível, depois de um dia inteiro de trabalho com o caos da Avenida Paulista nos meus ouvidos.
Fiquei sabendo que, se eu quiser ficar pertinho do silêncio, a melhor opção é fazer as malas e viajar para a Finlândia. O departamento de Marketing do Ministério do Turismo de lá, há alguns anos, percebeu que o maior diferencial que o país tinha era exatamente ele, o silêncio. As paisagens maravilhosas e a natureza fantástica não seriam suficientes para atrair turistas, uma vez que vários outros países também oferecem isso. Os finlandeses, então, notaram que eles tinham algo que a maioria do mundo perdeu: o silêncio.
Imagino que vender o silêncio como um produto seja algo, no mínimo, complicado. Então, para pautar a campanha de Turismo em algo mais concreto, eles recorreram a diversas pesquisas científicas que mostram os efeitos que o silêncio tem em nosso cérebro. Quando escutamos um barulho, nosso sistema nervoso capta o som e o transforma em uma sensação, a partir das ondas cerebrais. Mesmo quando estamos dormindo, o cérebro continua captando os ruídos no ambiente que estamos, e continua processando todos eles. Esse fluxo constante de "som - processamento nervoso - processamento cerebral - sensação" nos deixa em eterno estado de alerta e estresse.
Ou seja, não é difícil perceber que, uma vez em silêncio, nosso cérebro tem a chance de respirar e descansar um pouco. Diversos estudos provaram esta inferência como, por exemplo, o estudo de 2006 do italiano Luciano Bernardi entitulado "O efeito fisiológico do silêncio". Ele começou seu estudo querendo estudar os efeitos que as músicas provocam no cérebro de uma pessoa - quem for apaixonado por música deve procurar este estudo dele, pois os processos neurais que a música desperta são incríveis de se ver. Mas, o que chamou sua atenção foi que os períodos de silêncio entre uma música e outra deixavam o cérebro mais relaxado do que qualquer tipo de música (mesmo as músicas tidas como calmas e tranquilas).
Além disso, nosso cérebro foi projetado (pela evolução, pela biologia) a responder ao silêncio, afinal, o silêncio pode ser sinal de que há algo errado ou perigoso perto de nós, e precisamos ouvi-lo atentamente. Até percebermos que o silêncio é só silêncio, e não uma ameaça, o cérebro fica em estado de alerta. Após isso, ele relaxa.
Ok, as pesquisas científicas são magníficas e eu poderia citar inúmeras, mas os efeitos do silêncio vão além dos cerebrais, disso eu tenho certeza. Houve uma enfermeira chamada Florence Nightingale, que nasceu em 1820 e morreu em 1910, aos 90 anos. Ela foi a fundadora do movimento de enfermaria médica profissional, como conhecemos atualmente (antes dela, era um caos total). Ela se recusou a ser mais uma mulher-casada-cheia-de-filhos da época e resolveu estudar e ter uma profissão. Se rebelou contra sua família e contra os padrões convencionais de ser mulher e, ao ver um mendigo morrer por maus tratos no hospital, decidiu mudar este cenário. Depois de um tempo, ela criou a primeira Escola de Enfermagem, em Londres, e ganhou diversas condecorações da Rainha Vitória.
Uma das coisas que Florence Nightingale acreditava era de que o o barulho maltratava seus pacientes e faziam com que eles adoecessem mais e mais rápido. Ela acreditava que, para que um paciente tivesse uma cura completa e eficaz ele precisava, predominantemente, de silêncio. Ela escreveu em seu diário: “Unnecessary noise is the most cruel absence of care that can be inflicted on sick or well.” Ou seja, "Barulho desnecessário é a falta de cuidados mais cruel que podemos infligir aos doentes e aos saudáveis."
Fiquei imaginando Florence nos dias de hoje, com todos estes mil ruídos que temos ao nosso redor. Com certeza eu e ela conversaríamos, reclamaríamos de todos esses sons abusivos e chegaríamos à conclusão que o barulho faz mal para o cérebro, para a saúde e para o espírito. É como se o barulho nos sobrecarregasse e nos impedisse de ouvirmos a nossa própria voz, que fica lá embaixo escondida e abafada pelo mundo. Uma cura - não só do corpo, mas também da alma - só pode vir através do silêncio e dos encontros lindos que temos com nós mesmos dentro dele. Podem transformar em ciência, mas o silêncio, na sua essência, é pura poesia.