O grito antibélico e anti-imperialista de Odete Semedo
Odete Semedo é uma poetisa guineense, nascida em 1959. O livro "No fundo do canto" é a tentativa de se reconstruir um país acossado pelas guerras coloniais e de independência. Odete faz uso das primeira e terceira pessoas para dotar de lirismo a tragédia da guerra. Em terceira pessoa, vale-se da figura do tcholonadur, ou seja, mensageiro, que convoca o leitor para desbravar os meandros da violência. Um excerto dela:
“Não te afastes/ aproxima -te de mim/ (...) pede-me que te mostre/ o caminho do desassossego/ o canto do sofrimento/ porque sou eu o teu mensageiro/ (...) vem... / senta -te que a história não é curta”
Há também a crítica ao estado atual de coisas, personificado pela tecnologia:
“Veio a tecnologia/ espreitou/ mas não entrou/ tropeçou num buraco/ estava escuro/ não deu com a entrada/ e continuou na rua ao pé da casa/ à espera de luz “.
Nesses versos, a tecnologia é a globalização, na tentativa de aculturar o país e se vê aquela impossibilitada de entrar, pois a cultura autóctone é encarada como escuridão.
A inserção de Guiné-Bissau na esteira do capitalismo internacional não é saudada de forma positiva, já que tal movimento não dirime as contradições de uma nação mergulhada na miséria:
“à espera de um dia novo/ interrogavam -se entre si/ como caminhar no escuro/ como dar o que não se tem/ como ter o que não se construiu/ como arrecadar o que não se juntou/ como juntar o que não se espalhou?”
É uma crítica mordaz aos pressupostos gerais e ditatorias dos organismos mundiais de regulamentação econômica. Tudo que se ordena a todos não serve para as idiossincrasias de cada país. Contudo, Odete vê a integração das diversas etnias como a força necessária para romper a secular dependência da nação:
“Os irans das djorsons sentiram/ Guiné e Bissau uma só/ erguendo -se com vigor/ reafirmando sua força (...)/ invocaram todas as energias/ do alto às profundezas do mar/ e o chão foi abençoado”.
Os versos servem tanto para a realidade específica do país africano, como para a situação dos países de Terceiro Mundo. Tolstói dissera que, para ser universal, deverá cantar a própria aldeia.