A esperança retratada pela poesia - análise de um poema de Carlos Drummond de Andrade
#poesia #Brasil
Irmãos, cantai esse mundo/ que não verei, mas virá/ um dia, dentro em mil anos,/ talvez mais... não tenho pressa./ Um mundo enfim ordenado,/ uma pátria sem fronteiras,/ sem leis e regulamentos,/ uma terra sem bandeiras,/ sem igrejas nem quartéis,/ sem dor, sem febre, sem ouro,/ um jeito só de viver,/ mas nesse jeito a variedade,/ a multiplicidade toda/ que há dentro de cada um./ Uma cidade sem portas,/ de casas sem armadilha,/ um país de riso e glória/ como nunca houve nenhum./ Este país não é meu/ nem vosso ainda, poetas./ Mas ele será um dia/ o país de todo homem./
O poema acima pertence ao mineiro Carlos Drummond de Andrade. Nos versos acima, o poeta se dirige a seus irmãos - outros poetas -, que devem permanecer esperançosos por um mundo melhor e mais justo. Foge o eu lírico da visão platônica acerca da poesia, entendida pelo filósofo grego como uma degeneração da realidade, aproximando-se, assim, do que pensava Aristóteles, cujas linhas dedicadas ao tema na Poética exaltam o caráter de imaginação da poesia, a qual, por sua vez, seria superior à História. Para Aristóteles, o valor da Poesia (em caixa alta) estaria na possibilidade que confere aos fatos, enquanto a História seria a narração mais chã da realidade. A "cidade" a que o poeta mineiro se refere é um vocábulo usado como metonímia, ou seja, a parte pelo todo - a cidade representa o mundo, sendo utilizada para conferir maior concretude ao apelo. Esse poema faz parte do livro A ROSA DO POVO, de 1945, uma obra preocupada com o engajamento social, com a utopia de um mundo melhor e o desalento com as coisas atuais, sobre as quais pairam o medo e a destrutividade, clima característico de um pós-guerra.