A concepção do homem moderno sob Marx e Simmel
A meta a que o filósofo alemão Karl Marx se referia no tocante à libertação do homem se esbate na superação do determinismo econômico. Esse conceito se caracteriza pelo domínio de um elemento primordial na ótica capitalista, que é o dinheiro. Marx frisa que:
“Aquilo que eu sou e posso não é, pois, de modo algum determinado pela minha própria individualidade. Sou feio, mas posso comprar para mim a mais bela mulher. Por conseguinte, não sou feio, porque o efeito da fealdade, o seu poder de repulsa, é anulado pelo dinheiro. [...] O dinheiro é o bem supremo, e deste modo também o seu possuidor é bom.” (Marx, 1971).
O eminente intelectual, por meio dessa passagem, demonstra que a constituição do homem moderno se vincula – e talvez se submeta – à ordem monetária. Diante da disparidade da acumulação de tal bem, o homem estaria encarcerado em visões distintas de mundo, pois, conforme Marx, há uma confusão nos conceitos de ter e de ser. Diz ele:
“A propriedade privada tornou-nos tão estúpidos e parciais que um objeto só é nosso quando o temos, quando ele existe para nós como capital ou quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado etc., em suma, utilizado de qualquer maneira. (...) O ser humano tinha de ser reduzido a essa pobreza absoluta a fim de ficar apto a deixar nascer toda a sua riqueza interior” (idem).
O que impediria essa realização, já que boa parte dos homens está alijada dessa fartura monetária a qual conduziria ao uso desmedido do ter? Entra em cena, portanto, o conceito marxista de alienação. Do latim alienatio, significa estar alheio a algo. O trabalho moderno – cuja face mais palpável é a propagação da especialização, na qual cada operário se concentra na confecção de ínfima parcela da produção – produz um homem incapaz de pensar pela humanidade. A humanidade se dilui na chamada reificação, ou seja, o homem se torna uma coisa em prol de interesses individuais alheios a si. O conceito de reificação foi bastante trabalhado pela Escola de Frankfurt, grupo de pensadores de índole marxista.
Digamos que a teoria marxista explica a visão mais ampla e geral do homem moderno, mostrando a esse conceito as bases e o fomento que o erigiu. Por outro lado, todo esse arcabouço gerou um corolário de especificidades em âmbito individual. Uma questão salutar que se avulta é como o indivíduo pode resistir à uniformização imposta pelo mecanismo social. Assim, um outro autor alemão se impõe como meio de se chegar a uma conclusão: Georg Simmel, nascido no final do século XIX.
Simmel trata de uma sociologia da metrópole, o construto mais visível de uma urbanização intensa, a qual aglomera em espaços reduzidos massas de pessoas supostamente unidas por um ideal. O advérbio supostamente se usa para mostrar que tal união é, certamente, falaciosa. O primeiro conceito de Simmel repousa na individualização, distinta em cidades pequenas e grandes. Às primeiras, estão vinculados fatos lentos, corriqueiros e pouco diversificados que promovem uma psique de laços profundos. É o coração o protótipo de símbolo para a vida individual em um núcleo urbano de pequenas dimensões. Já as metrópoles se caracterizam pelo bombardeio de imagens e de signos, os quais não permitem aprofundamento de estados mentais. A cabeça é o órgão da cidade grande, visto que o intelecto deve ser acionado para essa miríade de estímulos nervosos a todo instante (Simmel, 2006).
Simmel também fala em economia monetária. Não mais como a análise marxista de desigualdade e de descaracterização do ser ante o ter, mas sim como uma manifestação da individualidade na metrópole. Troca-se usando dinheiro como um trabalho cerebral, como um ato totalmente associado ao modo de pensar citadino-metropolitano.
O ato puramente cerebral desemboca, então, na atitude blasé, que é a denominação das ações entre os indivíduos da metrópole. Blasé seria algo fosco, acinzentado, um modo de agir sem reações sentimentais, em virtude da profusão de estímulos que já exaurem a capacidade sentimental do ser humano. Em miúdos, a atitude blasé tangencia a indiferença, tomada no senso comum.
Atitudes cerebrais e atitude blasé insuflam à uniformização como antônima à diferença. Indivíduos da metrópole tendem a seguir padrões de comportamento sem muitos devaneios, os quais atendem a esquemas de consumo. Quando alguém se descontenta com essa situação, busca-se a diferença: por meio de vestuário extravagante, de opiniões contundentes nas redes sociais etc.