“Isto é Bossa Nova, isto é muito natural”
Era a década de 1950. O Brasil vivia um momento de abertura à modernidade. Juscelino Kubitschek presidente, estabilidade política, altos índices de crescimento econômico, abertura ao mercado americano. Todos queriam ser modernos. Fossem com seus novos carros, eletrodomésticos, lambretas, trajes. Não seria diferente com a música. A influência do Jazz americano seria inevitável. Nesse cenário surge, então, a “Bossa Nova”.
Naquela época, a expressão teria sido usada de forma ingênua e espontânea, ainda como adjetivo, em letras minúsculas, no anúncio para um show que aconteceria nas instalações do Grupo Universitário Hebraico, Rio de Janeiro: “Hoje, Silvinha Telles com um grupo bossa nova”. A cantora, já consagrada, era acompanhada por artistas menos conhecidos à época como Carlinhos Lyra, Luizinho Eça, Menescal. Levou um bom tempo, desde a sua origem, para que a “Bossa Nova” fosse assim reconhecida.
Essa e outras narrações pitorescas estão no livro “Chega de Saudade” do escritor Ruy Castro, que retrata o movimento musical - um dos melhores - que o Brasil já produziu. No livro estão presentes histórias de seus principais representantes: João Gilberto, John Alf, João Donato, Menescal, Nara Leão,Bôscoli, Vinícius e o apaixonante Tom Jobim. A trajetória musical deste último foi retratada recentemente no filme “A música segundo Tom Jobim”, do diretor Nelson Pereira dos Santos.
Para os nostálgicos, o filme proporciona uma bela viagem no tempo, com projeções do Rio de Janeiro daquela época. A beleza, encanto e harmonia das imagens provocam agradáveis sensações até para quem não viveu aqueles tempos.
Quase todo em preto e branco, sem uma palavra sequer, apenas com o uso de imagens e som, a película conta a história musical do músico e maestro brasileiro, através de seus vários intérpretes, nacionais e internacionais, em performances incríveis e em diferentes momentos.
De Alaíde Costa, Agostinho dos Santos, Ella Fitzgerald à Stancey Kent, Gal Costa, Diana Krall. Alguns poderiam citar como ponto alto: Frank Sinatra com Tom Jobim; ou Elis e Tom cantando “Águas de março”; ou ainda, ao piano, o grande jazzista americano, Oscar Peterson; mas tudo é tão bonito, gostoso e prazeroso de se ouvir e de se ver, que se torna impossível escolher um destaque.
O filme segue a ordem cronológica de composição das músicas selecionadas, um pouco do que produziu esse gênio da música brasileira.
Mas como surgiu a Bossa Nova?
Referência ao samba de breque, com paradas súbitas da música, a expressão “cheia de bossa” era sinônimo de pessoa inteligente, com bom humor e de atitudes inesperadas. Também significava a nova batida.
A partir de encontros fortuitos de jovens da classe média do Rio de Janeiro, sedentos por algo novo, com o qual se identificassem, o movimento cresceu, invadiu Copacabana e as universidades, tomando proporções internacionais.
Dentre outras histórias, Ruy Castro descreve que Tom e Newton Mendonça trabalhavam acompanhando diversos músicos na noite carioca. Inspirados em um dos cantores aos quais eles consideravam ruins, compuseram “Desafinado”. A princípio apenas uma brincadeira e, aparentemente, uma defesa aos descompassados, os muitos e dissonantes acordes da música eram um desafio a quem se propusesse a cantá-la.Rejeitada por Ivon Cury, desejada por Lúcio Alves, a canção acabou sendo gravada por outro gênio da Bossa Nova: o temperamental João Gilberto, que por sinal, não aparece em nenhum momento do filme. Gênio para cantar “Numa nota só” e tocar em várias notas dissonantes, João é o denominado “ouvido absoluto”, aquele que capta tons e acordes de forma ímpar.
“Vou te contar. Os olhos já não podem ver. Coisas que só o coração pode entender...”; “ ...a felicidade é como a pluma, que o vento vai levando pelo ar”; “...se você insiste em classificar meu comportamento de antimusical, eu, mesmo mentindo, devo argumentar, que isto é Bossa Nova, isto é muito natural.”
A Bossa Nova é poesia. Sua linguagem, concisa, expressiva e delicada. A forma de tocar é sofisticada, com refino e improvisação. Diferentemente de alguns estilos musicais, ela não valoriza a potência, mas a suavidade, a maciez e o aveludado de voz e instrumentos, que se harmonizam, sem se sobrepor um ao outro.
Assistir ao filme ou ler o livro é um convite à diversão, ao deleite e ao prazer. Independentemente da escolha, Bossa Nova é para se ouvir sozinho, com amigos, com quem se ama, mas, de preferência, acompanhado de um bom vinho.
Referências
A Música segundo Tom Jobim. Direção: Nelson Pereira dos Santos: SONY Pictures, 2012. DVD (90 min)
CASTRO, Ruy. Chega de saudade – a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.