Pesquisadoras mapeiam a ocupação indígena no Sertão nordestino
A escassez de informações sobre o passado histórico do Sertão nordestino abre espaço para a reprodução de preconceitos com séculos de existência. Um conhecido mapa criado no século 16 pelo cartógrafo espanhol Diego Gutiérrez, por exemplo, generaliza a população sertaneja da época a índios canibais, representados em ilustrações de esquartejamento e assado humano. Para dar contornos mais claros à história brasileira, em especial referente ao território pernambucano mais ao oeste do país, duas gerações se uniram em um vasto estudo, agora disponível em livro. Mãe e filha, as historiadoras Socorro e Bartira Ferraz são as autoras de Sertão - Fronteira do medo (Editora UFPE, 283 páginas, R$ 75).
Na publicação, o Sertão dos tempos coloniais é descrito como uma fronteira física e, ao mesmo tempo, imaginária para a população do litoral. Era, portanto, representada graficamente pelos colonizadores, interessados em conquistar terras e riquezas em um local com características peculiares. “Há muitos trabalhos sobre a ocupação indígena litorânea e da Zona da Mata, mas muito poucas a respeito do Sertão, uma região onde a sobrevivência é mais difícil e, portanto, as informações não são tão fáceis de serem obtidas. Foi uma grande surpresa encontrar nos cartórios pesquisados livros de batismo de índios, negros e escravos brancos, com dados sobre como se batizava na época, sobre relações de parentesco, posse das terras”, relata Socorro Ferraz, doutora em história econômica.
Segundo ela, a obra revela como o Sertão era habitado pelos índios, considerados nômades pelo fato de precisarem de todo o espaço necessário para sobreviver à ocupação violenta dos brancos. Esses colonizadores, ela esclarece, impingiram o medo para que a população indígena cedesse em muitos aspectos. Boa parte dela cedeu, negociou, tentou sobreviver de toda forma possível. Grande parte, contudo, foi extinta.
Nesse contexto de adaptação, alguns índios chegaram, inclusive, a ter presença ativa no sistema colonial. Alguns foram capitães de milícias, outros tiveram cargos políticos, militares, serviram de intermediários para a própria conquista. Para Bartira, desde o século 16 os portugueses impuseram uma nova ordem política baseada em mecanismo de ocupação e controle, do vigiar e punir. “Ocorreu a implantação brutal do sistema político por meio de um controle feito pela cruz e pela espada, com apoio do missionário e de tropas que controlavam essas populações”.
Vestígios
Ansus ou Anchus
Ocupavam a serra do Araripe até a região do rio São Francisco.
Akroás
Habitavam a ribeira do rio São Francisco.
Anaupirás
Um dos poucos grupos que conheciam e se enfeitavam com ouro. Habitavam o alto São Francisco, próximo à região das minas.
Arakapás
Habitaram uma ilha no rio São Francisco conhecida como Aracapá.
Ararobá
Habitavam a serra Ararobá, depois designada Cimbres.
Arikobés
tribo considerada tupi. Localizada no Rio Grande, afluente do São Francisco.
Avís e pipipans
Dois grupos reduzidos em uma aldeia situada na caatinga entre os vales dos rios Moxotó e Pajeú.
Karacus
Localizados no riacho Jacaré, que nasce em Ouricuri. Também estavam nos sertões da Serra Negra, atual município de Floresta.
Karaíba
Situados na ribeira do rio Cupeti, à margem do São Francisco.
Kariri
Viviam espalhados por Pernambuco, inclusive no Sertão. Foram documentados pela primeira vez em 1759
Tabajara
Localizado próximo ao litoral, nas vizinhanças do Rio Capibaribe durante os séculos 16 e 17
Xucuru
Migravam entre o Agreste e o Sertão. Foram documentados em 1619 e 1733. Aparecem em áreas correspondentes às nascentes dos rios Moxotó, Pajeú, Parnaíba, Capibaribe e Ipanema.
Pankararu
Localizados no Sertão, próximo a Tacaratu. Documentados em 1746.
Rodela
Fixados em vasta área do Sertão do médio São Francisco (parte de Pernambuco e da Bahia). Foram documentados no século 17, durante a guerra contra os holandeses, como integrando os índios de Filipe Camarão.
Piripã
Viviam perto do rio Moxotó. Documentados em 1802.
Exu ou ichu
Localizados perto da divisa com o Ceará, no Sertão do Araripe, onde hoje estão as cidades de Exu, Bodocó e Ipubi.
Pimenteira
Localizados no Sertão de Cabrobó. Documentados no século 17.
Tamanquim
Viviam próximos a Petrolina. Documentados em 1748.
Umã-Vou
Viviam próximos à região do Pajeú. Documentados em 1801
Quesque
Estavam próximos ao Rio Pajeú. Documentados em 1678.
Fulniô
Próximos à cidade atual de Águas Belas. Documentados em 1746.
Garanhum
Localizados na região Agreste. Documentados no século 19.
Chokó
Aldeados entre a ribeira do Pajeú e o rio Moxotó.