A arte resiste?
Gravura de autor desconhecido: arte e tecnologia.
A arte é o que resiste, afirmou Deleuze. Podemos vislumbrar essa afirmativa, e associá-la de forma imediata à questão temporal. Afinal, as esculturas da Grécia antiga continuam de pé, solenes e quase impunes à passagem dos séculos, tal como as pinturas egípcias em seus templos e túmulos ou as cantigas d’amor e d’amigo, primeiras expressões artísticas em língua portuguesa. A arte sabe ser teia; tecida com fio de tempo.
Davi de Michelangelo, na Galleria dell'Accademia, em Florença.Mas a resistência da arte se dá nos mais diversos âmbitos, quebrando mais paradigmas que o inexorável tic-tac do relógio. A arte pode ser água, adequando-se mansa às correntezas, pode ser brasa, matéria em combustão, e pode ser faca: em punho, pronta pra luta.
Grafite do artista Banksy no muro construído por Israel para separar palestinos do restante do território.Adorno afirmou, no pós-guerra, que escrever um poema, depois de Auschiwtz, seria bárbaro. Mas atrevo-me a afirmar que depois de todo o terror, escrever um poema também era um ato de resistência. Resistência do que ainda nos torna e nos mantém humanos. Depois da Segunda Guerra, os artistas encontraram formas de homenagear, denunciar e de não nos fazer esquecer tamanha monstruosidade. A arte não podia silenciar.
Instalação do Museu do Holocausto de Melbourne.A arte resiste aos regimes, a tirania, a opressão. A arte soa como um grito de luta em meio à violência, um grito de denúncia junto ao caos. A arte sempre encontra um meio. Ao redor do mundo, impôs-se contra ditaduras, e foi modo de conscientizar o povo e ser discurso de oposição. A Arte sabe dizer não.
Verso da canção Apesar de você, de Chico Buarque; símbolo de resistência à ditadura brasileira sendo usado em passeata. 1984 O poeta angolano Agostinho Neto, um dos principais nomes da literatura contra os regimes de apartheid na África.A arte é o que resiste à morte. Um pouco de Camões se mantém eterno a cada leitura d’Os Lusíadas. A arte nos conecta aos que já foram, e nos ligará àqueles que vêm. A arte nos lembra de nossa finitude, mas é a memória do ser. Na arte há sempre porvir.
Auto-Retrato com colar de espinhos, de Frida Kahlo: a artista imortalizada na obra e pela obra.A arte resiste aos meios, aos modos. Em tempos de tecnologias, pergunta-se se ela sobreviverá. Em tempos de individualismo, de espetáculo, de imediatismo e desumanidade – nossos tempos – pergunta-se se ela perpetuará. O que há para ser feito? O que não foi experimentado? Como ser original? Aos artistas cabe o dever de continuar perguntando, à arte cabe a missão de, como toda natureza selvagem, reinventa-se; não ceder: no sempre rebrotar-se.