A mulher em Chico
Não é uma questão de inspiração ou fonte de conteúdo. Cada mulher contém em si uma percepção única que foge das páginas das revistas ou jornais. Sim: pode ser fruto de revistas e jornais, mas chora algo muito maior do que o superficial das notícias periódicas. É periódico, cotidiano: é algo demorado, precioso, cuja validade não está no que se vê, mas no que sente.
Se cada mulher é um universo a ser explorado, qual seria o melhor método de exploração? Talvez deixar o romantismo de lado e observar aquilo que queima que demora a deglutir, que impele o choro e versa gotas de uma realidade que não queria ser. Uma realidade que, mesmo escrita, não quer ser. Quem já não se enganou nos versos de Chico, versando frases e explorando metáforas que descortinam algo tão evidente e tão imperceptível?
Dessa forma, a partir de uma valorização da mulher através dos olhos de um homem que sabe se colocar como promotor e promovido dentro do contexto exploratório feminino é que o autor consegue emendar pontos reveladores da vida cotidiana em uma trama de versos.
Pois, da quantidade de mulheres escritas por Chico Buarque, me ocorreu de falar justo dessa, a mãe do guri. Olha aí. Ressalva: é muito difícil escolher. Se tratando de mulheres, muito mais difícil: observe a quantidade de características diferentes em cada universo; tantos motivos que riem tantos motivos que choram: nunca os mesmos. É muito difícil. Tal dificuldade se transfere também para as mulheres Holandesas. Gente, a sem açúcar, o vi oleira, a que faz tudo sempre igual, as gregas, as noiva do caubói, ou mesmo as outras três. Muito difícil. Prefiro me abster da responsabilidade e ficar com a mãe. A mãe deve ser sempre a primeira opção. Nesse caso, também.
Das estrofes de “meu guri”, emerge a história de uma mulher marginalizada que vê no acaso do filho que nasce sem querer, a oportunidade de ir pra “lá”, de conseguir uma condição melhor de vida. Uma mulher perdida no constrangimento de empilhar todas as fichas na vida exterior de um filho rebentado é surpreendida por um caso de sucesso (“e ele chega”). Uma mulher confundida por um suor de trabalho que é de fuga da polícia; que mal supõe o responsável pela onda de assalto estar um horror. Uma mulher inocente, que confunde a morte do filho com um momento de um menino lindo de papo pro ar. Que enxerga nas manchetes do jornal um alvoroço extremo pra tão pouco caso. Isso é demais, seu moço. Afinal, ele disse que chegava lá. Não disse? É tão óbvio.
Essa não é uma mãe de uma propaganda de fraldas, certo? De fato, não é. É uma mãe. Mãe normal. É um Chico. É uma mulher que chora que sente que corta e sangra. As mulheres passam por Chico Buarque como se fossem uma brisa. Dá pra ver a arquitetura na composição das frases, mas dá pra notar que as mulheres não são frutos de pensamentos. São sentimentos. Finalmente, os versos sentem como sentem as mulheres.