Marcas de autoria no cinema: objetos de amor e ódio na web
O cinema apresentou em dado momento de sua história a necessidade de distinguir entre as produções puramente industriais e aquelas que adentravam no terreno da arte como obras originais. Segundo Gosciola, foi um certo François Truffaut que, em 1954, publicou no Cahiers du Cinéma um texto no qual apresentou o conceito de “politique des auteurs” para ajudar a separar o joio do trigo ao identificar fatores específicos na criação artística que atuariam como referência. Assim, os filmes de autor revelavam não apenas uma trama, mas também algo a respeito de seu realizador e, de quebra, rompia com as amarras impostas por grandes estúdios.
Na web, encontramos vários exemplos divertidos de como as marcas de autoria são percebidas pelo público. Uma delas é a proposta de como seria um filme estrelado pelo Pato Donald com a direção de um Lars Von Trier ainda na vibe do Dogma 95. Estão ali a câmera em punho, a iluminação natural, os personagens atormentados, diálogos cortantes e muitas outras características que emulam os preceitos do Dogma 95.
Outra paródia divertida é “Requiem for a Day off”, um pretenso trailer que mostra como seria o filme “Curtindo a vida adoidado” se dirigido por Darren Aronofsky com a atmosfera de “Requiem para um sonho”. Diálogos antes inofensivos na comédia original passam então a carregar toda uma tensão, que se torna ainda mais deprê com a inserção da trilha sonora do drama sobre vício em drogas.
A brincadeira atingiu recentemente o status de meme quando há algum tempo atrás começaram a circular na web imagens trazendo frases irônicas sobre o diretor Wong Kar Wai. O coreano, famoso por não seguir prazos e scripts, andar sempre com seus óculos escuros e não fazer questão de edições alucinantes em seus filmes.
Alguns realizadores envolvem seus filmes nas marcas de autoria que os caracterizam de maneira tão intensa que se torna possível até mesmo pensar em uma “gramática de produção”. É o caso de David Lynch, um desses caras cujo nome se torna adjetivo, tamanha a dedicação aos universos que cria em suas obras. Por conta disso, muitas das dicas do vídeo abaixo, “How to make a David Lynch film”, podem muito bem ser levadas a sério pelos que desejam reproduzir o estilo do cineasta.
Seja como homenagem ou como crítica, essas divertidas paródias tem o potencial de abrir discussões para todo bom cinéfilo. O que leva um cineasta a apostar repetidamente numa temática? Como identificar os elementos que marcam o conjunto da obra de um realizador? Como diferenciar clichê de marca de autoria? Para aqueles que acham que “cultura da internet” é sinônimo de “cultura inútil”, essas produções mostram que uma conversa interessante sobre cinema pode surgir de qualquer lugar, basta tirar o seu olhar do lugar-comum.