Estranhos olhares sobre a ficção científica
Quando se pensa em filmes de ficção científica, logo vêm a cabeça naves futuristas, robôs ou extraterrestres. Para boa parte do público atual, esse gênero cinematográfico também é sinônimo de grandes efeitos especiais e muita ação. Porém, alguns cineastas empreenderam a desafiadora tarefa de realizar ficções científicas pouco convencionais, imprimindo suas marcas de autoria e adicionando sensibilidade aos temas para contar histórias que podem até se passar num universo paralelo, mas que nos tocam de qualquer maneira.
2001 – Uma odisseia no espaço (1969)
O clássico de Stanley Kubrick figura facilmente em qualquer lista de grandes momentos da ficção científica nas telas de cinema. No entanto, não se pode negar que o diretor foi além do óbvio, trazendo sutileza ao jogo de gato e rato empreendido entre homem e máquina a bordo de uma nave espacial. A atmosfera de solidão e o terror diante do desconhecido, além dos excelentes aspectos técnicos e artísticos que o 2001 tem, tornam o filme um exemplar ímpar da ficção científica no cinema até hoje.
Se fosse uma refeição, a receita seria: junte um dos pais da Nouvelle Vague francesa, sua musa inspiradora, alguns cacarecos que pareçam modernos, adicione uma atmosfera de filme noir e polvilhe com poesia. O resultado disso é Alphaville, a ficção científica realizada por Jean-Luc Godard. Sem grande orçamento, Godard filmou na mesma Paris dos anos sessenta em que realizou “Acossado”, adicionando um ou outro detalhe “tecnológico” para situar no futuro a trama do agente secreto Lemmy Caution (Eddie Constantine) em busca do professor von Braun e da destruição do super-computador Alpha 6.0.
Ficção científica com extraterrestres existe aos montes, mas Solaris soube tornar tudo mais estranho ao fazer um planeta inteiro agir como um organismo vivo. O planeta em questão dá nome ao filme e consegue “visualizar” as memórias dos humanos que vivem na estação espacial responsável por pesquisa-lo. Como se a coisa toda não fosse esquisita o suficiente, Solaris também é capaz de materializar elementos dessas memórias, o que torna a estada de Kris Kelvin (Donata Banionis) um tormento, uma vez que ele passa a conviver com uma réplica de sua falecida esposa, a suicida Hari (Natalya Bondarchuk). Que o espectador fique avisado: Solaris parece mais um romance de Dostoievski que um Guerra nas Estrelas!
Nem só de espaço e de futuro vive o mundo da ficção científica. The man from earth (2007) se passa nos dias atuais e se desenrola todo a partir de diálogo numa aconchegante cabana na Califórnia. É nesse cenário que o professor John Oldman (David Lee Smith) revela a um grupo de amigos que ele tem 14 mil anos de idade e que presenciou, com os próprios olhos, todas as mudanças da humanidade ao longo desse período. O grupo que ouve a estranha confissão é formado por pessoas de diversas formações como arqueologia, história, biologia e psicologia, além de diferentes credos. Composto apenas de discussões que passam pelo terreno da ciência e da religião, The man from earth abre mão de vários elementos que permeiam esse gênero e retorna a boa e velha conversa com os amigos rodeando o fogo da lareira.
Pi (1998), de Darren Aronofsky
Antes de se interessar por bailarinas loucas ou pela arca de Noé, Darren Aronofsky realizou Pi, uma pequena pérola da ficção científica. No filme, o gênio matemático Max (Sean Gullette) descobre um padrão universal que basicamente rege tudo no universo, o que lhe faz prever, por exemplo, resultados na Bolsa de Valores de NY. Como nada é perfeito, Max é atormentado por fortes dores de cabeça e por pessoas que passam a persegui-lo em busca de seu conhecimento. Assim como The man from earth, Pi também atravessa os limites entre ciência e religião; a diferença deste último é que o filme mostra todo o lado ruim dessa experiência!