O jogo do amor no metrô
Ilustração: Pascal Campion
Dentro do metrô. Dois adolescentes.
Ela: olhos castanhos expressivos, aparelho nos dentes, um perfume suave, cabelos negros e longos, tênis muito coloridos nos pés, calça jeans justinha.
Ele: mochila a tiracolo, calça gigante despencando cintura abaixo, camiseta preta do Led Zeppelin, cabelos cacheados em gostoso desalinho, um sorriso malicioso no canto da boca.
Olhavam-se com sede, sorriam, sussurravam, sorriam ainda mais depois. Ele fez sinal com o indicador para ela se aproximar, já que a distância entre eles era de pouco mais de um palmo. Para os apaixonados, um abismo.
Ela não obedeceu. Jogou a cabeça para trás e riu solto, consciente do seu poder naquele instante. Distância intragável. Tudo ainda estava por acontecer. Atrevido, ele se aproximou aproveitando um tranco pelo caminho, mas ela retrocedeu. Ah, o menino-quase-homem não deu conta de tanta vontade e puxou-a pela cintura. A brincadeira seguiu assim...
Eu? Esperando minha hora de descer e pensando que o amor é mesmo um jogo. No fone de ouvido, Play the Game. Queen, sintonia perfeita. A coincidência me fez sorrir também e ficaria ali olhando para eles por uma eternidade, com os pés plantados no chão e a imaginação solta no vento, mas os quase primeiros namorados desceram na estação Paulista.
Gostaria de poder reencontrá-los algumas "estações" adiante no tempo, para saber se ainda estavam dispostos a jogar, ou se a dor fizera estragos grandes demais a ponto de desistirem da misteriosa e hipnótica dança do amor.
Como a maioria das histórias que minha lente curiosa capta no metrô, provavelmente eu jamais saberia, porque só vislumbro agoras que desfilam rapidamente pelos trilhos dos trens. E ali, exatamente ali, capto os universos com a imaginação. O depois é depois.
Desci na Fradique Coutinho e ganhei a Rua dos Pinheiros menina, com tênis All Star brancos, uma tiara nos cabelos e o mesmo sorriso da cor do porvir. O porvir? Ah, ele sempre porvem.