Um papo no céu
Toquei a campainha da nuvem 1354/131 e esperei. Apareceu nosso cachorro, um cocker preto de olhos amendoados e muito amor para dar. Latiu feliz ao me farejar. Além disso, nuvens são meio transparentes e ele não estava mais cego, podia me ver perfeitamente.
Entrei, sentei num montinho fofo e esperei por uma eternidade, que, ali, não era só força de expressão.
Ela chegou em silêncio, com aquele olhar azul milenar e autoexplicativo. Chorei de saudades, sem graça... gaguejei. Afinal, fazia vinte anos que não nos víamos.
Ela sorriu, esperou que eu me acalmasse e disse com aquele sotaque estrangeiro peculiar:
— Entrega a dor pros ventos. Já sei tudo sobre a família, mas me perdi de alguns assuntos. Aqui a gente não usa essa tal de internet, Instagram, FaceBook... só tenho minhas palavras cruzadas, memórias e livros. Sinto, porém, que o mundo adoeceu.
Não consegui pronunciar sequer uma palavra. Ela seguiu:
— Daqui vejo uma nuvem mais densa, mas logo adiante vem uma brisa decidida e outra nuvem um pouco menos densa. Você sabe... nuvem vem, brisa vai; brisa vem, nuvem vai.
E disse, com o sorriso seguro e o olhar tranquilo:
— Seu pai também era impaciente, mas as tempestades de dentro ensinam a esperar.
Acrescentou:
— Volta lá com aquela paciência fantasiada de bom humor. Você dá conta. E pode dizer pros meninos e pra tua irmã que tudo vai melhorar.
Deitei a cabeça no colo dela e fechei os olhos. Quando os abri novamente, o relógio marcava 5h00 e ainda estava escuro.
Sentei na cama e senti o perfume dela no ar.